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«War of the Planet of the Apes» (Planeta dos Macacos: A Guerra) por Hugo Gomes

Em tempos existia um pássaro que encontrou refúgio numa ilha, remota e intocável pelo tempo, onde nenhuma ameaça pairava naquele reduto paradisíaco. A ave nidificou aí, viveu feliz por gerações, levando uma vida sem preocupações nem temores. O seu corpo habituou-se a tal “pasmaceira”, engordou, perdeu a capacidade de voo, assim como o instinto de sobrevivência. Algum tempo depois, o Homem conseguiu por fim chegar a essa tão paradisíaca ilha, proclamando como seu lar. O pássaro outrora pacífico e depois nada atlético, não deparou nos seres humanos uma ameaça, nem sequer a intuição de fugir aos seus “abraços mortais”. O pássaro, que foi batizado de dodó pelos holandeses, foi caçado até à extinção, sem oferecer qualquer resistência, isto apenas um século após a sua descoberta. Hoje, o dodó, um espectro de criatura que em tempos pisou o nosso planeta, converteu-se num símbolo da ameaça real da extinção, e por sua vez do desmazelo, da negligência desta.

Um paradigma que fora utilizado vezes sem conta para representar de que maneira um indivíduo não se apercebe da sua própria extinção, mesmo que os sinais estejam ao nosso alcance. Em 2002, o êxito de animação A Idade do Gelo apresentou de forma paródica e direta esse mesmo simbolismo, onde um grupo de dodós que planeava escapar ao fim de uma era, mas sem a incapacidade de se aperceber das causas da sua eventual dizimação, levava-lhes a esse caminho mais que certo. No terceiro capítulo da trilogia / prequela Planet of the Apes (Planeta dos Macacos), os humanos são os pássaros dodós da trama, os seres mais próximos da extinção, ora vítimas de uma peste, ora vítimas das suas mais primitivas características – o gosto pelo conflito e pela guerra.

Novamente sob a batuta de Matt Reeves, após a fábula política de Dawn of the Planet of the Apes [ler crítica [1]], esta Guerra promete-nos um desfecho ao prolongado êxodo iniciado em 2011, e possivelmente, um dos surpreendentes êxitos desta recente Hollywood tecnológica. É um exemplar pomposo, de um parabolismo dramático que nos convence perante uma invocada memória cinéfila, a exposição de uma guerra sob os adereços que o Cinema tão bem conhece. Se por um lado encontramos referências de um cinema de John Ford (onde nem falta o Monument Valley), ou do febril guerrilheiro de Apocalypse Now (faltava a Woody Harrelson o pregão “Horror… Horror has a face”), e as tendências dos efeitos visuais ao serviço da narrativa e não o oposto (não víamos tamanha exatidão nesse sentido desde o Avatar).

Mas em todo o caso, este é dos ditos blockbusters “armados em espertinhos”, porém, a sua astúcia tem um lado mais politicamente filosófico que as metafísicas do costume, é o retrato da desumanização da Humanidade, que acarreta a extinção como um Atlas martirológico, e a humanização do Primata (o aparecimento da subconsciência em Caesar – novamente concebido graças ao empenho de Andy Serkis – como momento-chave para o derradeiro destino que todos nós conhecemos), o testemunho forçadamente deixado da nossa “soberania”. Cada vez mais longe de Rise of the Planet of the Apes, cada vez mais perto do clássico de Franklin J. Schaffner, daquela distopia pelo qual Charlton Heston cedeu a tamanha culpa perante as ruínas da Estátua da Liberdade.

O único senão deste War of the Planet of the Apes é a sua vontade de agradar a gregos e troianos, o de equilibrar o registo cinéfilo com a perspetiva política assim como os elementos tão corriqueiros do entretenimento hollywoodesco. Nesta última estância, refiro a entrada do comic relief (um chimpanzé pelado com voz de Steve Zahn) ou de um último terço literalmente explosivo, como 95% dos blockbusters que se produzem atualmente. Todavia, é boa macacada aquela que encontramos aqui, e num Verão disperso por franchises falhados e de produtos inconsequentes do costume, Planet of the Apes vem provar o que de melhor se faz nesta grande indústria.

 

Hugo Gomes