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Havia necessidade de existir este «Homem-Aranha: Regresso a Casa»?

Para o bem ou para o mal, a trilogia Spider-Man de Sam Raimi obteve um relevante impacto no agora formado género de “cinema de super-heróis”. Primeiramente, servindo de auto-consolo do fracasso de Darkman, a primeira incursão de Raimi neste modelo (se não considerarmos a emancipação da sua personagens, Ash de uma anterior trilogia, Evil Dead, como rascunho desse seu fascínio por heróis de ordem). Foi o realizador, juntamente com Bryan Singer em outra saga (X-Men), que recolocaram os “heróis de quadradinhos” no mapa “hollywoodesco”, anteriormente de volta à marginalização com culpas voltadas para Joel Schumacher e o seu doloroso “retro camp“.

Contudo, é com Spider-Man 2, em 2004, que por fim começou a olhar para o género com possibilidades dramáticas e no seu jeito limitado, intimistas. Passados três anos, o muito esperado terceiro filme assumiu-se como um autêntico abanão: os estúdios interferiram na anterior liberdade de construção e de decisão de Raimi, o que, não limpando as culpas no realizador, transformaram o desfecho numa esquizofrénica produção em permanente conflito. Conflito esse que levou à saída de Raimi, e com ele, os dois protagonistas: Tobey Maguire e Kirsten Dunst. Sem realizador e sem os actores principais, a Sony teria, não tendo outra alternativa, refazer a saga milionária, desta vez com atentamente observando o modelo implantado pela concorrente Marvel Studios / Disney (sedentos pelos direitos “caídos” do Homem-Aranha).

O Fantástico Homem-Aranha, com Andrew Garfield, era um projecto megalómano que foi vencido pela sua própria ambição. Numa saga onde um segundo filme rende menos que o primeiro, em linguagem militar, há que bater em retirada, e essa mesma deu-se com as tréguas ao até então estúdio rival. Spider-Man “regressou” a casa, noticiaram os medias perante a bombástica decisão da Sony em ceder os direitos do seu “aranhiço”, personagem que teve a sua “triunfal” entrada em Capitão América: Civil War [ler crítica [1]], uma aparição hipócrita tendo como margem a suposta temática politica e ideológica do filme. Depois da chegada, veio a emancipação, é assim que promete este filme a meias com o trocista título Homecoming.

Tom Holland é o Peter Parker da nova geração, às ordens da Marvel Stu … perdão … do realizador Jon Watts, um homem vindo de produções independentes que já havia demonstrado uma delicadeza e conhecimento em abordar o universo infantojuvenil. Vejamos o exemplo do seu anterior Cop Car [ler crítica [2]], em que duas crianças encontram acidentalmente um abandonado carro de patrulha, deparando com duas personagens que tão bem ligam a inocência com a equivoca ignorância da “tenra idade”, a inconsequência lado-a-lado com a rebeldia. Em Homecoming, as personagens joviais parecem forçadas ao seu próprio registo de estúdio, neste caso o regresso ao ambiente de liceu, com tentativas de encontrar influências em John Hughes, mas com os seus “herdeiros” Disney como esboços. Resultado: eis um enésimo ambiente pastiche que confunde inocência com prê-mecanismos estabelecidos.

Mas quem espera ver um novo filme de Homem-Aranha, não espera encontrar um retrato realista de jovens de hoje, nem nada que pareça, mas sim, e sob o selo da MCU, um canónico episódio desta novela The Avengers. Se Tom Holland é de certa forma um talento, Jon Watts um realizador a ter em conta e um Michael Keaton aquilo que já sabemos, entre outros, é evidente que em Homecoming está investido talento. Porém, e infelizmente, como manda a indústria imperativa, os talentos são dissipados pela máquina oleada, pelo produto em reflexo do “universo partilhado” e assim ficamos pela “competência”. Pela ausência de transgressão, pela ausência de motivar cinema para além dos testados vínculos narrativos que tão bem funcionam entre o público.

E é pena que depois do passageiro hype (sim, Homecoming é simplesmente vitima de hype), esquecemo-nos dos agachamentos que a equipa de Jon Watts parece querer invocar por aqui: a vulgarização do super-herói, e a sua relevância imposta na cultura pop de hoje, com especial atenção às camadas mais jovens. Sim, existe uma espécie de autocrítica nisto tudo, mas a sua audiência esquece e o que parece importar é o “devolver” Peter Parker ao universo que supostamente pertence. Carece da ingenuidade marginal de Raimi e a sua vontade de homenagear os comics como plataforma narrativa ao invés do universo conhecedor dos fãs.

Além disso, é urgente desligarmo-nos do militarismo de hoje (Homecoming perpetua esse fantasma imposto pela Marvel / Disney) e … ah, como dói o coração ver Keaton novamente numa personagem alada depois daquele statement em Birdman.