Sexta-feira, 29 Março

«War Machine» por André Gonçalves

Ao longo do último mês, a Netflix tem estado na mira. Após ter sido alvo de críticas e apupos no Festival de Cannes, por não distribuir os seus filmes em sala, como qualquer outra distribuidora desde que o cinema é cinema, a Netflix continua ainda assim a apostar forte em obras de grande orçamento. War Machine é a obra mais cara do seu catálogo com 60 milhões de dólares – 10 milhões acima de Okja, outra parceria com a Plan B de Brad Pitt.

E é o próprio Brad Pitt aqui a cabeça de cartaz de uma história de guerra que pretende à partida ser uma sátira da guerra dos Estados Unidos com o Afeganistão. Um Brad Pitt grisalho no papel de um general que liderou as tropas num período pós-Bush, que acaba por ser uma caricatura de cartão sem grande piada, infelizmente um mero reflexo de todo o filme à sua volta, repleta de outras personagens-tipo menores encarnadas por alguns atores de relevo, igualmente desperdiçados (Ben Kingsley, Emory Cohen, Topher Grace, e um cameo de Russell Crowe em jeito de apanhado final).

De facto, é difícil perceber para que público se dirige esta obra anónima, pedestre e ultimamente irritante na sua profunda inaptidão, cuja maior surpresa que nos tem para revelar é mesmo sabermos que o realizador David Michod está à frente deste empreendimento – o mesmo realizador que há meia dúzia de anos recebeu hossanas de todo o mundo pelo respeitável Animal Kingdom. Ambiguidade é geralmente encarada como um traço positivo, mas a ambiguidade demonstrada aqui é apenas outro sinónimo para falta de personalidade e cobardia em tomar um lado político concreto.

A “sátira” aqui está livre uma única piada certeira nas suas duas longas horas; não nos rimos nem com o filme, nem dele. Mas pior pode ser mesmo a tentativa de puxar algum drama na segunda metade, quando tudo o resto falhou, quando a “voz off” do narrador a tentar espetar por si as ditas piadas se acalma um pouco. Uma mostra extra de moralismo bacoco (e ainda assim, cobarde!) tão desnecessária como a suposta comédia de guerra que nos foi prometida… 

Muito se tem falado sobre a liberdade criativa sobre um filme que uma plataforma como a Netflix oferece aos seus autores. Sobre Okja, por exemplo, o coreano Bong Joon-ho tinha revelado precisamente que teve controlo total sobre o seu próprio filme e os seus 50 milhões de dólares. Mas a verdade cruel é que War Machine parece tão ou mais estilhaçado que uma produção de grande estúdio que tenha sofrido uma dúzia de revisões e tenha ficado a ganhar poeira numa prateleira, tão mau ou pior que o pior que a “velha” Hollywood mercantilista nos trouxe nos últimos tempos. O filme mais penoso de 2017 até ver.

 

 

André Gonçalves

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