Terça-feira, 19 Março

« L’Amant d’un jour» (O Amante de Um Dia) por Hugo Gomes

 

A esta altura, perguntamos sinceramente até quando terminará a dita trilogia dos Amantes. É que mesmo sob essa desculpa, Philippe Garrel não tem rigorosamente mais nada para nos dizer. É a triste realidade, mas o seu novo filme L’Amant d’un jour (Amante por um Dia) é a resposta às suas limitações, quer criativas, quer, acima de tudo, ideológicas. Ciúme levou-nos a crer que essa mesma barreira criativa era possível existir na carreira do autor, enquanto que A Sombra das Mulheres, que representava um refrescante sopro, ficou-se pelo impasse ideológico.

Este L’Amant’ sofre dos dois males: primeiro pela falta de personalidade, visto que voltamos às cores monocromáticas, à edição angustiante (onde cada plano não tem a sua necessária expiração) e aos casais rompidos pelo adultério. Quanto ao segundo ponto, a ideologia de um burguês do arco-da-velha que discursa liberalmente uma espécie de poligamia secreta, pois, tudo contado no feminino para não sofrer com eventuais acusações de misoginia. Nesses termos, Garrel parece engraçar com a causa feminista, o direito das mulheres “perseguirem” as suas fantasias sexuais, os seus desejos instantâneos pela luxúria, o que mostra ser um avanço curioso frente à glorificação sentimentalista de As Sombras das Mulheres (a confundir sensibilidade com feminismo).

Mas L’Amant’ é mesmo assim uma pretensão, uma máscara na qual Garrel se esconde, de forma a escapar aos seus fantasmas, os quais que de alguma forma o alcançam. Assim, somos confrontados com um terceiro ato completamente previsível, “garrelianamente” falando. Afinal, a libertação sexual era uma fraude, pois o homem torna-se um elemento em sofrimento sem razão (por incentivo seu) e a mulher caí nas “boas graças” da praça pública.

Fácil ceder-se a reações primitivas e de pura misoginia por aqui. Está no nosso sangue! Como está no sangue de Garrel. Existem realizadores que nunca deveriam filmar um filme por ano: o prolifico não é sinónimo de qualidade e Garrel prova isso, sendo um autor que vai sobrevivendo à custa do seu estatuto.


Hugo Gomes

 

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