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«The Beguiled» por Hugo Gomes

O que realmente falta a este novo cinema americano, é a sua destreza na provocação, é a escapatória dos moldes implantados pela indústria, mesmo que, no caso de Sofia Coppola, ela represente uma espécie de outsider do badalado cinema mercantil. The Beguilled é a quinta longa-metragem da filha do lendário realizador de O Padrinho e Apocalypse Now, uma aventurosa que tem vindo a emancipar-se da sombra do seu pai e desta forma difundir a sua voz no legado cinematográfico de Hollywood.

A conquista desta feita é um filme de 1971 de Don Siegel, protagonizado por Clint Eastwood, decorrida numa América mergulhada na sua Guerra Civil, onde um soldado da união, ferido, é acolhido e tratado por uma jovem rapariga sulista numa escola feminina. A referida obra espelhava uma guerra que se travava a metros do cenário da acção, uma casa onde se debatia dois lados ideológicos, assim como dois géneros em plena dominância. Contudo, bem verdade, que a versão de 1971 adquiria um rígido tom masculino, um filme sobre uma violência invisível que nos levaria, a certo ponto, à demonização da própria mulher. É aí que Sofia Coppola tem as armas perfeitas para expor a sua visão enquanto mulher.

Notavelmente verificamos essa perspectiva por uma câmara focada nesta comunidade de “amazonas”, mulheres restringidas ao seu refúgio enquanto homens combatem as suas politicas. Averiguamos que o sexo masculino, por mais diferente seja a farda, continua, no seu fundo, como um ser de ambições dominantes, um verdadeiro elemento alfa em construção. Os dois filmes dialogam um com o outro nesse sentido. Porém, a versão de Coppola sai a perder num determinado ponto, é demasiado anorético.

Uma hora e meia é pura velocidade, o espectador nunca consegue ter a noção de espaço nem de tempo do filme, nunca chegamos a conhecer verdadeiramente estas personagens (e aqui não se trata de mistério, é mesmo falta de ligação) e nota-se, verdadeiramente, um senso cosido do politicamente correto. É um filme inofensivo que se quer fazer grande, mas que esquece do ainda mais óbvio, de emanar a sua própria ideologia, a capacidade de estabelecer um clima de conflito, quer interior, quer exterior. Sofia Coppola torna-se incapaz de tal coisa e o mesmo se aplica à sua relação com a violência. Os actos cometidos poderiam ter o mesmo conteúdo que uma banal conversa de café, não se vive, não se sente, não se respira, é pura automatização (ainda há quem acuse de Tarantino ter tornado tal num gesto confundível a quotidianos).

Contudo, Coppola significa estética, a fotografia trabalhada e agradavelmente primitiva, a luz das velas que aquecem a mais densa escuridão (The Beguiled encontra-se no mesmo território que um Barry Lyndon), os bosques que não são mais que fronteiras para uma Guerra a acontecer longe, os canhões ouvem-se constantemente. Nesse sentido, entramos noutro atributo de The Beguiled, o som. O eco que intrusa nos diálogos das personagens, assim como os passos ocasionais que nos atribuem um plano sugestivo de espaço sonoro (pena que ela não consolide isso com a narrativa).

The Beguiled é isso mesmo, uma produção construída sob adereços, sob cores e ruídos, mas o vazio acaba por reinar nesta guerra entre sexos. É pena, porque o filme de ’71 precisava do seu sexo oposto, com igual capacidade para transgredir. Longe do memorável.

Hugo Gomes