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«Zookeeper’s Wife» (O Jardim da Esperança) por André Gonçalves

Num dos seus “tweets” recentes a propósito de O Jardim da Esperança ser o título independente que mais dinheiro faturou no primeiro terço do ano dos Estados Unidos (i.e., ultrapassou a marca dos 10 milhões de dólares), Jessica Chastain disse o seguinte aos seus seguidores: “Estão a dizer aos estúdios que as histórias sobre mulheres são importantes. Que as argumentistas e realizadoras femininas são importantes. Eles ouvem-vos.

De facto, falar mal desta adaptação de Niki Caro (a mesma de A Domadora de Baleias outro filme com animais como pano de fundo) de uma história verídica sobre uma mulher que viria a salvar 300 judeus do Holocausto é à partida duplamente delicado – de um lado temos a comunidade judaica, sempre sensível, de outro temos a igualmente sensível comunidade feminista, na qual até me insiro. Mas se houve lição que o espectador mais atento terá apanhado por esta altura (e se não apanhou, haverá também o último Sean Penn para experimentar…), é que há todo um inferno de filmes repletos das melhores intenções. O problema é passar essas boas intenções, essas histórias e heróis “maiores que a vida” para o ecrã com algum “panache”. Que é algo que O Jardim da Esperança não tem de todo, mesmo com outro esforço particularmente louvável de Chastain em tentar dar a volta (e sotaque) a uma personagem canonizável que não consegue existir para além dos trilhos questionáveis que lhe são indicados pelo argumento.

Com um potencial quer para fazer adormecer ou irritar o espectador mais alérgico ao formato mais convencional do “biopic“, nem sequer o facto de termos a raridade de ser uma mulher a comandar o destino de centenas de pessoas permite a esta obra adquirir um carácter diferenciador. O que resta desta fogueira? Muito pouco, certamente nada que choque, que desfibrilhe. Há por ali uma sequência interessante perdida, se óbvia, onde a conquista do macho “vilão” da mulher “heroína” mimica o acasalamento de dois animais. Perdida, pois, parece pertencer a outro filme… é de facto uma das raras ocasiões onde a expectativa de ver algo remotamente subversivo sobre um dos maiores massacres da história recente da Humanidade se vê cumprida, numa obra que é definitivamente uma das desilusões do ano.

P.S. – No que toca ao cinema feminista a vaguear pelo Holocausto, e após olhar com horror para um artigo de uma fonte respeitável a clamar este o “primeiro filme feminista sobre o tema“, lembrei-me logo de duas grandes obras capazes de sair do didatismo fácil e das boas intenções: Livro Negro de Paul Verhoeven e Lore [1] de Cate Shortland (uma mulher a realizar que também coassina o argumento, helás!)

O melhor: a resistência de Jessica Chastain.

O pior: a insistência em ser pedestre (académico torna-se um elogio a certos pontos), bem-comportado à enésima casa, e ultimamente aborrecido.

André Gonçalves