Quinta-feira, 28 Março

«A Ilha dos Cães» por Hugo Gomes

Se tem ou não recursos para o fazer, isso são questões que divergem da capacidade de fazer. A Ilha dos Cães, o filme que tem sido equivocamente publicitado como o último do ator Nicolau Breyner, é uma tentativa infeliz no campo do cinema de género português, mas que não deve ser ignorado de todo.

Contado a três tempos e com base criativa na obra literária do escritor angolano Henrique Abranches – Os Senhores do Areal – o realizador Jorge António (O Miradouro da Lua, a 1ª coprodução luso-angolana) constrói uma fita que se complementa a preencher o espaço da série B, do subestimado cinema fantástico pelos demais, e tendo como foco uma memória colonial que entra em colisão com diferentes etapas temporais. É o esclavagismo a perpetuar o pior do colonialismo, a resistência a servir de avante para ideias opositoras e, por fim, o cenário atual onde os fantasmas de um passado negligenciado parecem coabitar.

Tudo resulta num filme de boas intenções, mas incompleto no seus objetivos, tal como um cão raivoso que responde ao instinto e não com a exatidão das ordens do seu dono. Para Jorge António, falta sobretudo um aprumo nos diálogos (forçados deve-se salientar), uma liberdade em fugir dos lugares-comuns que assumem impasses (como um romance incutido a três pancadas) e, sobretudo, uma coragem em arriscar, acima do simplesmente agradar ao público-alvo.

Quanto aos efeitos visuais, nomeadamente as tentativas de CGI, perdoamos, até por que sabemos que o tecnicismo advém do financiamento e sem recursos não existem frutos para mais. Contudo, há que referir A Ilha dos Cães está à frente de muitas produções assumidamente mainstream da nossa cinematografia, que com maiores recursos tendem em tratar o espectador como um alarve. Um exercício produtivo!

O melhor – a modéstia em envolver-se no género fantástico / terror sob o passado colonialista da Angola
O pior – ser conhecido como o “último filme de Nicolau Breyner“e não uma resposta ao vazio ainda imaculado do género fantástico na produção nacional

Hugo Gomes

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