Terça-feira, 19 Março

«La Fille de Brest» (150 Miligramas) por Jorge Pereira

Depois de ter filmado La Tête haute, e de se ter tornado a primeira realizadora desde 1987 a ter uma película a abrir o Festival de Cannes, a atriz, argumentista e realizadora francesa Emmanuelle Bercot (Meu Rei) embarca num thriller médico biográfico sobre o polémico caso “Mediator” que envolveu a pneumologista Irène Frachon e uma grande empresa farmacêutica francesa.

Tudo por causa dos estudos desenvolvidos no Centro Hospital de Brest que levavam à conclusão que um medicamento no mercado, que funcionava como inibidor do apetite e que ajudava a reduzir o colesterol e a controlar os níveis glicémicos (particularmente eficaz no caso de Diabetes tipo 2), causava problemas cardíacos.

Para além de estar muito bem documentado todo o processo, o que fascina neste filme é o desenho que a cineasta faz da burocracia do próprio sistema, da queda e desinteresse do jornalismo pela investigação e do próprio poder dos grandes grupos económicos e o seu lobby em todos os quadrantes da vida social e política. Já o jornalista Paul Moreira se queixava no prólogo do seu livro “As Novas Censuras” de um caso que o colocou frente a frente com uma farmacéutica, num jogo, que segundo ele “segue regras invisiveis“. Ao expor essas regras e procedimentos invisíveis e morosos do processo, Bercot prescinde da tensão frenética, isto num trabalho desejavelmente mais tenso (tem forma de thriller), mas se perde por aí alguma coisa, ganha em veracidade e sentido de realidade.

Aqui entra em causa outra questão, pois inevitavelmente as comparações temáticas da velha história entre David Vs Golias (grandes empresas contra indivíduos) vêm ao de cima. É certo que a realizadora não é um Michael Mann (O Informador) ou um Steven Soderbergh (Erin Brockovitch), mas também não o precisa ser para se tornar mais entusiasmante do que mostra ser, até porque a história de uma mulher que chegou a ser apelidada de Irene Brockovitch pelos seus colegas, isto ainda nos tempos em que ela vista como um Dom Quixote a lutar contra moinhos de vento, tinha tudo para triunfar entre géneros. 

E é aqui neste ponto que a cineasta revela o seu maior defeito, mas também a sua maior virtude. Mais que possuir grandes trunfos, truques e gímnica na realização e na escrita, Bercot demonstra ser uma excelente diretora de atores, e o trabalho de Sidse Babett Knudsen e Benoit Magimel é exemplar e sem que haja necessidade de criar uma empatia real com as suas personagens. Veja-se Irene, introduzida como persistente, frontal e genuína, mas que muitas vezes cai na arrogância e obstinação sem prejuízo de maior. Ou Magimel, tantas vezes demonstrando ser uma personagem torturada interiormente.

Por todas estas razões, e apesar de não deslumbrar muito, La Fille de Brest acaba por ser um filme que consegue atingir alguns dos seus objetivos, provando que às vezes há Grande Cinema sem nada para dizer, e pouco Cinema com muito para dar. Et Baam!!

O melhor: A direção de atores, a história e o facto de estar tudo muito bem documentado
O Pior: Quebras constantes de tensão e o caminhar constantemente perto da linguagem televisiva


Jorge Pereira

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