Bem-vindos à queda do cinema americano, e não, nada tem a haver com as controvérsias de whitewashing, a escolha de Scarlett Johansson para interpretar uma cyborg. Não, simplesmente o que vemos nesta adaptação de uma adaptação de uma manga da autoria de Masamune Shirow, é o requisito de lugares-comuns e dos truques primários que tanto minam o cinema para as massas oriundos dos grandes estúdios americanos.

Já a primeira conversão do material original para cinema, uma animação estilizada de Mamoru Oshii, funcionou como um quebra-formulas daquilo que poderia no entanto suscitar. É ficção científica da futurista, com pinceladas fortes de Phillip K. Dick e, sob linguagem cinematográfica, influenciada por clássicos como “Metropolis” e “Blade Runner”, que orquestrava uma narrativa anti-clímax, sugestiva e sobretudo cerebral. Onde irão as nossas particularidades enquanto seres humanos num mundo completamente à mercê do robótico? E as questões da inteligência artificial? E do “uncanny valley“? Estas tendências são debatidas em quase tudo o que se designa  ser ficção científica “astuta“.

Sim, o filme tinha esses propósitos de servir mais como uma reflexão ao serviço da animação, do que se apresentar como o enésimo arquétipo de ação animada, e a esquecida sequela (“Innocence”, 2004) prolongou essa fantasia filosófica de um futuro à vista.

Porém, eis que surge a lavagem de Hollywood, um produto com claras pretensões de agradar os fãs do original e adeptos dos chamados “blockbusters inteligentes“, mas que se perde perante as suas ambições. O porquê? Por que todos os ingredientes que transformaram “Ghost in the Shell” em mais do que um mero fruto da industrialização, são esquecidos e trocados por equações homogéneas daquilo que tanto abunda no entretenimento mainstream. Diria que este “Agente do Futuro” (lembraram-se de traduzir para português) é um embrião do cada vez mais formulaico cinema de super-heróis, trocando a dita filosofia por enredos de vingança, o sugestivo pelo explícito, e o cerebral pelo códigos primitivos do bem entreter (salienta-se ainda o maniqueísmo básico).

Scarlett Johansson é a nossa heroína, meio Lucy, meio “Viúva Negra” da Marvel, que se movimenta pela narrativa como uma “boneca de prontidão exata para a ação“. A sua Major é demasiado emocional, frente às crises existenciais da versão animada. Tudo o resto, exceto o ocasional “Kitano Show” [Takeshi Kitano a assumir o controlo a meio da fita], é uma réplica prolongada, e segundo eles atualizada, que apenas jura fidelidade ao visual da obra de 1995. São estes raros pontos de contato que fazem salivar os ditos fãs, mas por aqui grito em pleno pulmões: “It’s a trap“.

Talvez uma premonição de como este “Ghost in the Shell” iria falhar (se bem que se espera, mesmo assim, que faça sucesso nas bilheteiras, até porque Scarlett Johansson já faz parte do star system) é a época em que os dois filmes surgem. A versão de Mamoru Oshii surgiu em 1995 e foi uma das influências para “The Matrix” dos Wachowski, e esta versão de Rupert Sanders (com “Snow White and the Huntsman” no currículo) surge numa altura em que quase todo o entretenimento cinematográfico encontra-se contagiado pelo referido frenesim cyberpunk. Resultado, apenas chuva em terra molhada.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
ghost-in-the-shell-a-agente-do-futuro-por-hugo-gomesNão é a decadência total, mas são sintomas da falta de ideia e inovação do cinema americano em matéria de "entretenimento"