Sábado, 20 Abril

«Big Jato» por Jorge Pereira

É muito curiosa, doce e sofisticada esta adaptação do livro Big Jato, de Xico Sá, por parte de Cláudio Assis, ele que tem deixado a marca no cinema brasileiro com filmes como Amarelo Manga (2002) e, especialmente, a Febre do Rato (2012), com quem esta produção partilha o foco no «poeta».

Mantendo uma linguagem cinematográfica ímpar e centrando a sua atenção no comportamento humano, em especial de personagens que se sentem fora do sistema, no filme seguimos Francisco (Rafael Nicácio), um jovem para quem a sua localidade do interior, a fictícia Peixe de Pedra, e as pessoas com quem coabita são prisões para a sua ambição poética de conhecer o mundo e alargar horizontes.

Dividindo a sua atenção por um trio de figuras que o ajudam a moldar a sua personalidade, é no seu tio radialista (Matheus Nachtergaele) que ele encontra o estimulo para esse “sair da casca”, isto enquanto o seu pai (também interpretado por Nachtergaele) educa-o na base da agressividade, do machismo e da aspiração a uma vida mais terra a terra. Não são poucas as vezes que ele diz a Francisco para ele ser mais como o filho mais velho (Vertin Moura), mais ligado à matemática e menos à poesia, coisa que para ele é para frouxos e um desperdício. Frases de desprezo como «Prefiro perder um filho para qualquer coisa no mundo, menos para a poesia»  mostram bem a essência desta personagem profundamente conservadora e que parece querer que a sua família seja mais um fóssil num local que ganhou seu nome devido a isso mesmo.

Pelo meio temos ainda longas conversas de Francisco com outra personagem marginal, o Príncipe, um poeta de rua (Jards Macalé) da povoação com quem o miúdo vai contando as coisas da sua vida, como as paixonetas e os problemas, que não são poucos e passam por constantes choques com o pai (apresentado muitas vezes alcoolizado), mas também com os colegas da escola, o quais gozam sistematicamente por ele ser filho da Merda – numa referência ao trabalho do pai, que consiste em limpar fossas.

O bom disto tudo é que Assis consegue transpor para o grande ecrã uma história muito pessoal com todos os elementos que a transformam num assunto universal. Às expetativas e imposições do legado familiar, nasce a ambição de algo mais, o de não querer ter a vida que os seus pais têm, o de construir o seu próprio caminho. O cinema tem abordado por diversas vezes este tema e, se pensarmos bem, pegando apenas num pequeno exemplo, o tio de Francisco funciona para ele como uma versão mais anarca, punk-rocker e rebelde, típica dos anos 1970, do Alfredo de Cinema Paraíso, que o faz divergir de um destino castrador para o qual parece condenado.

Por outro lado, ao colocar muitas vezes no olhar de um miúdo em plena transição para a idade adulta o ponto de vista do filme, Assis perde o sentido de provocação que caracteriza muito a sua obra, mas ganha um tom mais infantil, doce, poético e melancólico, como que dizendo que devemos aceitar a evolução do mundo e do pensamento, mas sempre olhar para trás com uma certa nostalgia: “Eu sai de Peixe de Pedra, mas esse peixe nunca me abandonou“, diz Francisco no final.

Se a “máquina de escrever é poesia e computador é prosa“, então Big Jato é um belo exemplo de mais um poema lírico de Assis no cinema brasileiro.

O Melhor: Uma história pessoal com cariz universal
O Pior: Alguma pseudo-filosofia na busca do poético


Jorge Pereira

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