Sábado, 20 Abril

«Other People» por André Gonçalves

Haverá algo de diferente a fazer sobre o tratamento do cancro no grande ecrã? Se há, este Other People não é a resposta.

Estreia do argumentista e realizador Chris Kelly (que, à imagem de Mike Mills este ano com Mulheres do Século XX, assina também aqui uma história baseada em factos autobiográficos), Other People fala-nos sobre uma família que vê a sua matriarca, uma professora de ensino primário, morrer da doença.

Para ser justo com esta obra, é certo que há aqui uma vontade de ser um pouco diferente das produções que possam ainda tentar “enganar” o espectador, e revelar logo o que poderia ser encarado como um desenlace mais que previsível: por outras palavras, a morte da mãe do protagonista é anunciada logo na primeira cena, deixando ao espectador o suspense apenas de quando acontecerá.

Mês a mês, acompanhamos assim a evolução da doença, ao mesmo tempo que Kelly insere outro tema na agenda, que acaba por ser mais tabu que a própria doença para o patriarca da família: a homossexualidade do filho David, aqui o verdadeiro protagonista, um comediante semi-frustrado que regressa à casa da família para acompanhar a mãe, e tentar fazer com que o pai o veja como um homossexual, e lhe faça perguntas sobre a sua vida pessoal. Infelizmente, neste campeonato, tal como no campeonato da “doença”, apesar das melhores intenções, a verdade é que não há nada aqui que sinta propriamente novo – i.e. que não tenha sido tratado centenas de vezes noutras obras.

Dito isto, se a novidade escasseia, o aconchego/entretenimento proporcionados por este típico produto de Sundance (festival que aliás lhe deu honras de filme de abertura) abundam para quem não queira propriamente refletir sobre cinema enquanto inovação, mas simples exposição de um caso que afeta um número imensurável de famílias…

Além disso, o realizador esconde aqui um ás de trunfo na escolha acertadíssima de Molly Shannon no papel da matriarca doente, justamente premiada com o Independent Spirit Award. Originalmente formada em artes dramáticas, foi na comédia – e mais concretamente no lugar cativo do programa “Saturday Night Live” – que ficou conhecida. Other People revela finalmente a um público maior do que a atriz pode ser capaz: quando a câmara lhe dá espaço, Shannon transforma uma figura-estereótipo numa mulher tridimensional, de contradições emocionais, que usa a comédia para mascarar uma existência cada vez mais trágica. Um retrato sem dúvida superior ao pequeno filme que o rodeia, e que faz por si só recomendar marginalmente este.

O melhor: Molly Shannon
O pior: a pouca originalidade da obra tanto na frente do tratamento cinematográfico da doença, como no tratamento do processo de “coming out


André Gonçalves

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