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«O Outro Lado do Paraíso» por Jorge Pereira

É tão puro como fascinante o olhar de Nando (Davi Galdeano) – alter-ego de Luiz Fernando Emediato, autor do livro autobiográfico onde o filme se inspira-, um rapaz de 12 anos, sobre a sua infância e o golpe político que interrompeu o sonho e a esperança da sua família e de um país.

O seu pai, António (Eduardo Moscovis), decidiu mudar se com a mulher e os três filhos de Minas Gerais para Brasilia, um local visto como uma espécie de Terra Prometida (em 1883, um padre, José Belchior Bosco, profetizou isso mesmo). Para António, ali vivia o presidente, não faltaria trabalho e todos seriam muito felizes nesse destino. Chegados aos limites da cidade, as luzes encandeiam a família e dão esperança para o futuro. Mas quando eles chegam ao local especifico onde vão viver, a primeira frase de Nando, quando vê os barracos, demonstra logo o principio do fim do sonho: certamente não era ali que o presidente vivia.

André Ristum agarra nos textos de Emediato e como um conto de fadas narra os vários níveis de desapontamento desta familia. Por um lado, temos uma bela dose de realidade que acompanha de forma clássica a desilusão de quem vê a cidade para onde foi viver um sitio muito menos encantado do que os sonhos pintavam. Por outro, e ligado ao primeiro, temos uma situação politica de um país que se deteriora a cada dia e que irá culminar num golpe militar em 1964. Pelo caminho, acedemos a uma visão romântica e ingénua de como Nando assume a sua paixoneta com uma menina, bem como vai criar as bases literárias para se tornar mais tarde no escritor que se tornou (Emediato).

Apesar de muitas vezes roçar o melodrama através do uso excessivo da banda-sonora em momentos chave, o filme nunca perde a sua robustez, especialmente num período em que o Brasil vive de certa maneira um “novo golpe” (é isso que grande parte da população diz hoje em dia). E força têm certamente os momentos em que o cineasta usa imagens documentais e de arquivo para contar o panorama político da época, ligando-as diretamente à quebra do sonho de António e Nando, sem que estes percam, nas suas mentes, as marcas de uma utopia e de um idealismo singelo.

Uma nota de destaque para a dupla de atores pai-filho, que de forma dinâmica nos consegue agarrar e transportar pelas várias camadas de um filme que só peca por querer se transformar num épico através de elementos delicodoces para além da sua comovente história.

O melhor: O quebrar de um sonho, mas nunca de um idealismo
O pior: O esforço da banda-sonora em cair muitas vezes no melodrama a puxar a lágrima


Jorge Pereira