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«Wilde Maus» (Wild Mouse) por Duarte Mata

A comédia também tem espaço na Berlinale, através da tomada de posse, à frente e atrás das câmaras pelo comediante austríaco Josef Hader. E, embora revele alguns rasgos de inspiração (o plano-sequência de abertura que segue uma discussão sobre White Snakes e Anton Bruckner pelos corredores de uma empresa jornalística), não se deixa de se sentir um resultado final um tanto injustificável para figurar nesta secção competitiva.

Um crítico de música clássica sofre uma reviravolta na sua vida, após ser abruptamente despedido do jornal onde trabalhou durante 25 anos. Os seus planos passam a ser então outros: fingir-se ainda empregado para a sua mulher psicóloga, desesperada em ser mãe e com uma atração por um dos seus pacientes; abrir uma montanha-russa inspirada em música clássica em parceria com um antigo colega de escola e, obviamente, vingar-se do antigo patrão através de uma série de atos de vandalismo.

Hader tenta dar relevância à sua obra ao inserir na banda sonora diegética excertos de notícias de rádio em torno da situação da Síria ou do Estado Islâmico. No entanto, todo o zeitgeist é mero isco provisório para a crítica julgar ver mais no filme do que este de facto contém. E, ao que parece, exerceu resultado, já que por aqui, houve quem lhe chamasse “o Toni Erdmann [1] da Berlinale”. No entanto, ao passo que a comédia alemã de Maren Ade expunha cada cena caricata como pedras basilares onde se construía, vagarosamente, uma relação de reaproximação comovente entre pai e filha, Wild Mouse não nos dá motivo para estes comportamentos anedóticos, a não ser o de justamente, provocar o riso gratuito. Falha, em suma, no que toca a encontrar, não só algo para dizer, mas também numa voz para o salientar.

Apesar da postura pedante do protagonista e de cada personagem ter as suas idiossincrasias, não deixamos de pensar na escassez psicológica de cada uma delas. É o caso do enredo secundário, envolvendo o paciente homossexual que vai descobrindo a atração pelo sexo oposto, mas que é rapidamente resolvido e não da forma mais convincente.

Num aspeto mais estético, muitas das cenas encontram-se filmadas de maneira meramente expositiva e com pouco cuidado na composição dos planos,o que não impede Hader de também criar, com alguma criatividade,sequências ao ar livre apelativas visualmente ou ainda de fazer um uso eficaz do fora-de-campo como ferramenta humorística. Mas isso nunca esteve em causa e somos os primeiros a dizer que estamos diante de uma comédia bem-sucedida. Só não esperaríamos vê-la num Festival de cinema de autor como Berlim. Afinal, quando estreou Quo Vado? [2](o filme a que mais se assemelha, pelo estilo e temática do desemprego) terá alguém gritado pela sua presença na Viennale?

O melhor: Breves fogachos inspirados visualmente e o humor.

O pior: Alguma falta de cuidado na escolha dos planos, pouca psicologia e algo que destaque o filme de produções semelhantes.

Duarte Mata