Terça-feira, 19 Março

«Patriots Day» (Unidos por Boston) por Hugo Gomes

Em Cannes de 2015, Brillante Mendoza apresentaria, na secção Un Certain Regard, Taklub, uma suposta homenagem aos sobreviventes do super tufão Haiyan, que abateu as Filipinas em 2013, vitimando mais de 6.300 vidas. Um episódio catastrófico que nem mereceu a atenção da imprensa global (apesar de ser visto como um dos mais fatais desastres do sudoeste asiático). Tendo em conta esse fator, Mendoza decidiu conceber um filme para reavivar essas mentes que infortúnios como estes acontecem nos quatros cantos da Terra e que cada vida, merece sim, a sua solidariedade. Muito antes disto, em 2002, uma antologia de curtas sobre os atentados do 11 de Setembro de 2001 encontrava-se a ser produzida para a criação de um filme coletivo. Por entre os realizadores convidados a integrar o projeto (11’9″01 September 11), um deles, Ken Loach, decidiu abordar um outro 11 de Setembro, o dia negro que marcou o Chile em 1973, totalmente esquecido na atualidade.

O que queremos insinuar com estes exemplos, não é o menosprezo das vidas perdidas nos atentados de Boston em 2013, onde duas bombas explodiriam por entre a multidão que assistia à maratona festiva de Patriots Day. Os medias captaram, em completa sintonia, o incidente e o desenrolar destes, terminando na captura dos autores desse tal acto. Mediatismo é a essência pelo qual compõe este Patriots Day, a nova colaboração entre o realizador Peter Berg e o ator Mark Wahlberg, que resultou em mais um desesperado e desonesto filme sobre a “força” inerente dos EUA.

Era de esperar algo do género. Porque honestidade e reflexão não são com esta dupla pela qual, relembramos, presenteou-nos com um dos piores filmes bélicos recentes (difícil, visto que não têm sido poucos). Em Lone Survivor, deparávamos com a réplica do videojogo Call of Duty, onde a ação rebuscada e as densas palas “patriotas” eram motivo que bastasse para incutir uma indigna homenagem a “heróis caídos”. Heróis? Questionamos os actos. Aliás, assim como deveremos questionar os propósitos desta homenagem às vidas perdidas de Boston, juntamente com a vendida frase – “baseado em factos verídicos”.

Patriots Day arranca com um choque completo, tudo é filmado com um handycam constantemente inquieto, auferindo um tom vérité e claro, a aproximação com a plataforma jornalística. Todavia, é apenas isto que Berg, “pupilo” de Michael Mann, consegue fazer. Nesse mesmo jogo, não referido o seu “sensei”, um outro realizador, Paul Greengrass sempre havia evidenciado uma certa orgânica da câmara em consolidação com a ação, enquanto que o nosso Bergse perde por constantes batalhas de planificação de última hora, dando uma essência certinha e igualmente desorganizada. Não é found footage meus amigos, é entretenimento “tremido”.

Depois de apercebermos o desvaire técnico, seguimos ao encontro de uma panóplia de personagens, 90% delas sem relevância para o enredo em si. São representações, faces das vítimas com todo aquele cenário pastiche e pastelão por detrás. São seres de pura felicidade, como se não existissem conflitos numa Boston antes dos atentados. Perfeitos seres humanos, preenchidos com amor, dedicação e harmonia em todos os seus poros. Esta Boston é um protótipo de cidade perfeita … isso se acreditarmos na hipocrisia das imagens, nesta manipulação “branqueada” que nos leva à outra face da moeda – os autores do atentado. Estes muçulmanos “radicais”, cujos ideais oscilam violentamente para anarquismo, acima de qualquer statment político, são seres torturados por um maniqueísmo sem tréguas. Num filme, onde as outras personagens gozam de uma tremenda “joy” em cadeia, estes islâmicos são ainda reduzidos a estereótipos embutidos.

Patriots Day nem sequer tenta disfarçar as suas ideias perigosas, estas servidas de bandeja como uma homenagem às vítimas. O que vemos é um perigoso ensaio da atualidade norte-americana. Mark Wahlberg discursa até certa altura sobre o bem e o mal. Os ponteiros do maniqueísmo sobem a pique. E a sequência final, mais um na tendência de epílogo documental de testemunhos e imagens reais funciona como um soco de realidade à cara do espectador: “o que dissemos até agora é tudo, mas tudo, verdade“. E os nossos antagonistas a proclamarem “vamos matá-los os todos“. Peter Berg é um artesão de um raio em lavagens cerebrais, e conseguiu mais um feito, e dos grandes.   

Hugo Gomes

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