Quinta-feira, 28 Março

«Hidden Figures» (Elementos Secretos) por Duarte Mata

Há uns dias foram divulgadas as nomeações e confirma-se que a Academia continua com as suas políticas puritanas: um terço dos presentes na categoria de “Melhor Filme” tratam-se do típico caso de vida, verídico e motivacional, que já se viu no passado, em estórias diferentes, serem laureados, mas que o tempo veio a provar a sua irrelevância cinematográfica. Tendo em conta que o hype deste ano aponta para outras preferências, não apostamos que o erro volte a ser cometido com um dos presentes na mesma lista, Elementos Secretos.

É o relato de Katherine G. Johnson, Dorothy Vaughan e Mary Jackson, três mulheres negras e trabalhadoras da NASA que tentam ascender nas respetivas carreiras dentro da mesma instituição, numa época onde a segregação racial era tão intensa quanto a sede de vitória na denominada “corrida espacial”, entre EUA-URSS. É, de facto, neste espaço de tempo da Guerra Fria que o filme se localiza, tentanto salientar as tensões vividas dentro e fora do país, havendo até oportunidade de acusar a agência governamental de racismo. 

Infelizmente não há grande densidade psicológica neste argumento formulaico (onde, obviamente, não faltam discursos sobre coragem e necessidade de afirmação do indivíduo) e onde se adivinha facilmente quando surgirão os altos e baixos do enredo. No entanto, embora não surpreenda, é verdadeiramente capaz de cativar o espetador pela forma como retrata com algum detalhe os pormenores da investigação e cálculos envolvidos, mais notoriamente destacados através da direção artística. Neste meio fielmente reconstruído, salienta-se ainda Kevin Costner num dos seus melhores papéis em algum tempo, trazendo um pouco das suas personagens-modelo do bom americano da década de 90 que o tornaram célebre e o “queridinho” das mulheres de então.

Um pormenor que ainda não vimos suficientemente discutido são algumas ideias de cinema, como uma conversa com a ilusão de que é filmada com o tradicional campo/contracampo, mas anulado pelo curioso detalhe de que os rostos mostrados são imagens refletidas num espelho. Mais ainda, a transição entre ações paralelas através de panorâmicas discretas ao invés de cortes abruptos, travellings em espaços interiores ou alguns inserts de objetos que refletem o sentimento de dúvida da personagem de Johnson, tudo isto permite concluir que Theodore Melfi oferece uma realização modesta, a alguma distância do academismo de produções semelhantes. Mas, não sendo o filme na sua inteireza assim (tratam-se de breves fogachos inspirados) concluímos aqui com a recomendação de que é urgente Melfi partir para terras indie para se lhe dar melhor atenção como cineasta.

O melhor: A direção artística, Kevin Costner e algumas ideias de cinema na realização modesta.

O pior: O argumento formulaico e a falta de densidade psicológica das retratadas. A realização não ser toda como alguns momentos inspirados que o filme contém. O projeto tratar-se mais de um objeto lúdico-didático do que relevante cinematograficamente.

Duarte Mata

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