Aviso desde já, que este não é O Homem Singular, o filme que marcou a estreia do estilista Tom Ford na realização, um ensaio poético sobre a perda dirigido por um Colin Firth na sua melhor forma. Sim, uma obra inesquecível, onde Ford provou capacidade para induzir-se numa carreira cinematográfica, visto que conseguiu evitar, no seu primeiro filme, os erros que muitos cometeriam à primeira.

Com Animais Noturnos, a perda já lá vai, contudo, é o ensaio de uma infelicidade “bovariana” que perdura neste cheesecake cinematográfico, um filme de duas camadas que exorciza fantasmas que o próprio Tom Ford interage, simultaneamente invocando um medo quase irracional a uma América cosmopolita e burguesa, que tal como os créditos inicias indicam, viventes de um país de excessos. Amy Adams, destroçada e vencida pela melancolia, é uma dona de uma galeria de arte que descobre que mesmo tendo tudo ao seu alcance, a sua vida é um mero vazio. Esse vácuo é perpetuado até certo ponto que recebe um romance escrito pelo seu ex-marido. Perdida nas insónias que teimam não a deixar, a personagem de Adams arranca numa leitura a este livro misterioso, o que encontra é uma intriga de vingança e de impotência que parece, gradualmente, confundir com a sua vida em ruínas.

O expoente estético de Ford é uma meticulosa arte de engano e desengano, até porque a “beleza” fingida de Animais Noturnos disfarça a sujidade formal exposta na sua segunda camada do filme, a ficção por detrás da ficção, onde Jake Gyllenhaal é um homem duplamente perturbado, pela desilusão de um homem fraco e indefeso que habita no seu ser até à sede insaciável de vingança que parece alimentá-lo furtivamente. As duas camadas, tão diferentes como água e azeite interpõem-se uma à outra, sucessivamente, e aí que entra a maior falha de Tom Ford neste segundo produto, a ficção ficcionada é mais interessante que a história primária, e o pior é que sentimos que não foi preciso muito esforço para o conseguir.

Sim, sabemos, Tom Ford quis explorar o vazio do mundo de aparências que o próprio intriga, mas é incapaz de tecer a crítica apropriadamente, mas pelo menos, faz melhor figura que Nicolas Winding Refn e a sua passerelle que fora The Neon Demon, simplesmente porque não cede à provocação fácil, tentando encontrar nos seus becos sem saída, uma eventual escapatória. Como cúmplice desta artimanha montada, está o elenco que consegue descolar dos bonecos que o próprio insuflou, nesse contexto as nossas atenções vão para Michael Shannon, um peixe dentro de água, cujas movimentações levam Gyllenhaal aos seus picos de indecência emotiva.

Voltando ao ponto inicial, não temos aqui um O Homem Singular, infelizmente, Ford parece ter tremido por momentos, mas não o suficiente para ceder à pressão. Ele constrói um filme de camadas, como já havia sido referido, e a gosto, coloca o seu “quê” de sugestão. O final inesperado que atraiçoa o espectador e a catch phrase, “um romancista escreve sobre ele próprio”, a persistir após o desfecho dos créditos. Afinal, há aqui margem para explorar!

Pontuação Geral
Hugo Gomes
nocturnal-animals-animais-noturnos-por-hugo-gomesNão é o "Um Homem Singular", mas Tom Ford continua a fazer "boa figura".