Quinta-feira, 25 Abril

«Hitchcock / Truffaut» por Duarte Mata

Numa entrevista, João Botelho disse-nos, certa vez, “Não há nenhum filme hoje em dia com a qualidade dos de Hitchcock“. Noutra, João Salaviza afirmou “Truffaut é o maior cineasta menor da história do cinema“. Aproveitamos esses excertos para definir a aproximação que Kent Jones faz do célebre livro que o francês fez do britânico, a de um realizador em ascensão e promissor, com o mestre já estabelecido, mas estigmatizado como mero entertainer. Um não podia ser o que foi sem o outro. Truffaut sem os filmes de Hitchcock, Hitchcock sem as entrevistas e análises que o francófono lhe dedicou no livro em questão e nos Cahiers du Cinèma e que o fizeram ser encarado, como é dito a certa altura, “le plus grand metteur en scène”.

É sabido hoje que Hitchcock era, de facto, alguém singularmente diegético, com uma noção matemática do tempo e espaço, que sabia quando cortar e quando deixar o plano prevalecer. Alguém com um sentido estético caraterístico sobre luz, sombra e cor, colocando o seu universo e marca pessoal em cada um dos seus filmes. Em súmula, não só um auteur em todo o sentido pleno da palavra, mas tudo aquilo que define um grande cineasta. Mas, e na altura? Que o fez levar a discutir tanto sobre as facas e cordas que metia, os inserts que contribuíam para a construção do suspense ou a dilatação do tempo que provocava na sua encenação?

Hitchcock / Truffaut não é tanto sobre a amizade entre os dois realizadores, antes um tributo ao maior deles. Várias vezes o livro é abandonado para prevalecerem entrevistas a alguns dos mais aclamados cineastas da atualidade: de Scorsese a Wes Anderson, passando por Fincher, Linklater, Desplechin ou mesmo Kiyoshi Kurosawa, discutindo aspetos da técnica de “mestre do suspense” e do quanto se pode aprender com o seu legado (a palavra mais usada, curiosamente, é “omnisciente”), bem como a influência que o mesmo veio a exercer nas respetivas carreiras. Talvez sejam estas as cenas mais interessantes ao surgirem intercaladas com excertos-chave da obra em discussão (e o detalhe com que Scorsese em particular se recorda dos mesmos, da posição da câmara e da capacidade que tem para captar os olhares dos sujeitos é fascinante). Grande profundidade é também atribuída à psicose do mestre, a sua faceta lúbrica, representada pelos seus fetiches (cinéfilos e sexuais ou, talvez, cinéfilos/sexuais?) e de como contribuíam para uma ambiência de sonho inigualavelmente estridente, ainda merecedora de discussão, nomeadamente em O Falso CulpadoOs PássarosPsico e Vertigo.

No entanto, apesar de tudo, lamenta-se que Kent Jones tenha optado por uma abordagem genérica à obra, ao invés de, como no livro, individualizada em cada filme. Glutonaria nossa, talvez, (claro que seria pouco prático para os oitenta minutos de duração que a adaptação contém), mas não teria algum do sabor de repetição do muito que já sabemos (e vimos) de Hitchcock. O que não torna Hitchcock / Truffaut um esforço menos notável numa adaptação do que é, simplificando bastante, um livro de entrevistas.

O melhor: O esforço em tornar numa obra cinematográfica apelativa um livro de entrevistas.

O pior: Não ser suficientemente individualizada em cada filme, causando a impressão de que haveria espaço para mais discussão em torno de Hitchcock, nomeadamente em cenas não tão conhecidas da sua obra.

Duarte Mata

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