Terça-feira, 23 Abril

«13th» por André Gonçalves

A fragilidade da constituição da auto-proclamada “nação maior” do nosso planeta é dissecada em “13th“, documentário bem posicionado de Ava DuVarney sobre o artigo 13º, aquele que serviu para abolir as formas de escravatura, criando nos tempos modernos novas escravaturas – sob um sistema prisional que serviu como estratégia de manutenção de uma economia, alimentada, é claro, por interesses económicos. O racismo, esse, persiste bem vivo, e prova disso é a violência contra os negros (muitas vezes exercida pelas próprias forças de controlo, i.e. os polícias) que conseguiu passar para a Europa através dos velhos e novos media. Mas não é só da violência física imediata que o filme fala. 

É uma tese social extraordinária – presa num documentário formatado, é certo – mas com justificação para ser vista, ouvida, analisada. A teoria válida de que o encarceramento em massa está intrinsecamente relacionado à segregação dos negros é expressa ao longo deste filme em gráficos e números surpreendentes até para quem se considera bem informado sobre o assunto. 

13th” é assim um relato histórico de uma nação idiossincrática, que usa o já tradicional modelo de entrevista, fonte documental e jornalismo de dados como ferramentas de combate. É um filme assumidamente liberal e americano, feito para sensibilizar outros liberais e uns quantos indecisos (quiçá aqueles que deram a vitória a Trump nas presidenciais – embora o filme também explique a falta de confiança de muitos norte-americanos no clã Clinton… ), não haja dúvida. E que tem a vantagem extra de ser um objeto pessoal, feito por uma mulher negra, dando voz a minorias, no ecrã e fora deste ao longo de hora e meia, e mostrando-lhes novas formas de combate à discriminação.

Só por causa disto, torna-se um filme essencial, para “eles” e para “nós“, sim. Para DuVarney, esta obra surge como uma expansão natural da ficção em factos reais de “Selma” sobre a célebre marcha organizada por Martin Luther King – uma expansão ambiciosa, se certinha. E é essa retidão que se pode apontar como factor menos positivo para nós que gostamos de ver histórias sobre subversão do sistema de um modo mais subversivo, lá está; por outro lado, se essa mesma retidão implicar uma audiência maior, uma valorização académica (adivinha-se este como um muito provável vencedor do Óscar para Melhor Documentário) e um consequente despertar para o que está à nossa volta, é uma troca justa. 

O melhor: o conteúdo. 

O pior: A forma não traz nada de novo ao género. 

André Gonçalves

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