Quinta-feira, 28 Março

«Chocolat» (Chocolate) por André Gonçalves

Não para ser confundido com o homónimo filme de Lasse Hallström, embora o anonimato da realização e uma narrativa demasiado bem comportada a ir do ponto A a B sejam pontos óbvios de contacto, “Chocolat” segue a trajetória do “biopic” fundado há praticamente um século atrás ponto por ponto, da ascensão de uma jovem estrela à queda face a uma doença mortal.  

O “Chocolate” do título tornou-se o nome artístico de Rafael Padilla, um negro que fez sucesso como palhaço ao lado de um outro palhaço branco no virar do século XX. Obviamente, o espectáculo envolvia alguma forma de dominação do branco sobre o negro, culminando no primeiro a espetar um pontapé no cu do segundo, para gáudio da plateia. Após o sucesso deste espectáculo, Padilla obteve então a confiança suficiente para ousar fazer uma produção local de “Otelo” de Shakespeare, tornando-se efetivamente o primeiro negro a fazer de negro, estando dois passos à frente da sociedade da época. 

O filme do ator tornado realizador Roschdy Zem segue então esta temática ainda hoje tão atual e pertinente como é o racismo – hoje em dia ligeiramente mais escondido, é certo – mas não traz absolutamente nada de novo para a mesa infelizmente: não há ambiguidade em qualquer uma destas personagens, de tal modo que nenhuma delas ganha vida, por muito que os atores Omar Sy (“Amigos Improváveis“) e James Thierrée se esforcem.  Ao não gerar quaisquer ambiguidades narrativas (sendo o homoerotismo entre os dois protagonistas o aspeto mais subtil aqui presente, ainda assim) e ao não conseguir subverter em ponto algum a sua narrativa, o filme não cria qualquer espaço para um debate que creio que um filme como este devia suscitar.

Há sim uma produção minimamente encorpada, que permite uma reconstituição de época que não envergonhe nenhum dos presentes, e existe o dito esforço dos atores… mas tudo somado é ainda assim insuficiente para compensar duas horas de película e meia dúzia de euros investidos. 

O melhor: Os valores de produção. 

O pior: A inexistência de qualquer factor subversivo numa história que, para todos os efeitos, é uma história de transgressão.

André Gonçalves

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