Quinta-feira, 28 Março

«El Futuro Perfecto» por Hugo Gomes

Vamos por partes, a esta altura do campeonato, cruzar ficção com documentário, o docudrama que os portugueses tão bem sabem fazer, já não possui ciência nenhuma, muito menos quando os objetivos de um filme como este El Futuro Perfecto não sejam sobretudo claros.

Dirigido por Nele Wohlatz, alemã radicada na Argentina, este é um filme onde a evidente intenção é apresentar a condição do imigrante e demonstrar que mesmo em perseguição de um “better place”, sonham e aspiram por um “futuro perfeito“. A língua é também um importante vinculo identitário e até certa altura El Futuro Perfecto aposta nas palavras soltas, ensinadas sob a intenção de sobrevivência e sem um mínimo despejo emocional. Mas também é sob esse tratamento frio e encoberto que nos descortina uma mensagem perigosa e por vezes nacionalista, será que este grupo de personagens que cede à cultura de fora é característica de tamanha inexpressividade, será que uma língua oposta aquela que nós dialogamos as tornam em relativos “humanoides robóticos“.

Emoção, é decerto, aquilo que a obra de Wohlatz não ostenta, e como prova dessa falta de interação humana, empatia é algo que nos falha enquanto espectador. Mas enfim, o que dizer do resto deste exercício de hibridez documental? El Futuro Perfecto esgota a sua virtude experimental em minutos, depois do “I get it“, tudo é recorrido para crise identitária por parte da personagem principal, a jovem chinesa Xiaobin, que autointitula-se de Beatriz e até certa altura de Sabrina.  A rapariga, que entra em restaurantes para poder ler o respetivo menu, em busca de uma ligação carnal com as palavras em dialeto latino, vive um romance imaginário que a coloca no trilho da sua escapatória emocional. Essa dita relação é vazia e penosa de assistir, a culpa é diversa, ou os atores (não-actores) não possuem a aptidão de ultrapassar as palavras, ou a realizadora não procurava qualquer foro emocional para não cair no erro de ceder ao telenovelesco.

Conforme tenha sido a decisão, este é o romance (se poderemos chamar assim), mais “gelado” dos últimos anos. El Futuro Perfecto fica-se pelo exercício, mas uma experiência vista e revista vezes sem conta. Esperemos que o futuro de Nele Wohlatz soe melhor que isto.

Hugo Gomes

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