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A German Life: as rugas que o tempo cria e que a memória tira

Deixem o entretenimento de lado, a faceta artística e experimental decidida a quebrar barreiras da transcendência visual e sonora, e encarem o seguinte – o Cinema é também um registo de memórias. Uma “cápsula do tempo” que congela esse mesmo Tempo, para ser alvo de descobertas para futuras gerações. O que somos? O que vivemos? Qual a nossa real natureza? Em A German Life nenhuma dessas perguntas será por fim respondida, mas o ensaio de preservação de pedaço de História é aqui invocada em todo o seu esplendor. Existe neste documentário uma aura passiva, de não alterar o rumo dessa mesma memória, mas sim citá-la com as mesmas palavras proferidas por quem as realmente viveu, como vivente desses mesmos episódios temos Brunhilde Pomsel.

Quem é esta mulher? Perguntam vocês. O que de interessante tem a sua vida para merecer tal registo? O interesse não vem aqui ao caso, Pomsel não é um “animal enclausurado” exibido numa coleção zoológica, é sim uma mulher disposta a narrar as suas maiores “humilhações“. Humilhações, essas, que a própria descarta de culpas e inocências – “vivíamos numa época diferente“, “… para condenarem a mim, primeiro condenariam todo o povo alemão“. Brunhilde Pomsel foi a estenográfica do Departamento de Propaganda Nazi, a mulher que fora constantemente próxima de um dos mais odiados homens de toda a “pegada” deixada pela Humanidade, Joseph Goebbels. O homem em questão foi um dos maiores responsáveis pela propagação dos ideais do Partido Nazista, e um dos braços direitos do próprio Adolf Hitler. O discurso de Pomsel, por outro lado, não tende em denunciar diretamente todo o trabalho exposto por estes “homens fardados“, mas sim descrever os sentimentos experienciados num país fechado, sob forte influência politica de quem culminou uma Guerra sem precedentes.

São quatro, os realizadores deste A German Life, um quarteto de mentes que serviram como investigadores do background de Brunhilde Pomsel, aqui exposta a uma confissão sem fim. Visualmente, a fotografia de tons cinzento salienta o rosto envelhecido da protagonista (aplausos para Frank Van Vught). Este é um rosto de 103 anos, as rugas são como “cicatrizes” marcadas pelo maior dos inimigos, o Tempo. E antes que o Tempo faça das suas, deixando as memórias residente de Brunhilde Pomsel no puro esquecimento, os realizadores Christian Krönes, Olaf S. Müller, Roland Schrotthofer e Florian Weigensamer tentaram aqui uma “corrida” contra esse mesmo némesis. Explorar e extrair de Pomsel, as relevantes palavras para um futuro próximo.

A German Life ostenta uma brilhante fotografia, como já havia referido, que atribui-lhe uma sensação de platina a um prolongado “talking head“, uma entrevista ditada com emoção e comoção de quem é subjugado, intercalado com propaganda anti-nazi e até mesmo simpatizante nazi (faltava mais a fundo na própria propaganda do Departamento de Pomsel). Não tendo uma estrutura brilhante na sua concepção enquanto documentário, A German Life vive como um documento sem culpas, nem denúncias do foro moral a uma, acima de tudo, cidadã de um período negro da nossa História. Aqui, a importância das palavras anexadas às memórias à beira da extinção, valem mais que ressentimentos ou decepções que aqui poderiam extrair.

A Verdade é o maior inimigo do Estado.” Joseph Goebbels