Sexta-feira, 19 Abril

«Isola» por Hugo Gomes

Num local remoto, onde só os loucos acreditam ser uma ilha no meio do Atlântico, uma mulher grávida aguarda na sua gruta, esperando pelo pai da sua criança. Um marinheiro, segundas as suas palavras, virá do longínquo horizonte até ao seu encontro. Certo dia, encontra um corpo na costa, ainda vivo, e sem hesitação leva-o para o seu abrigo, mantendo-o em cativeiro sob as promessas do messiânico marido que a ainda a ama.

Isola, de Fabianny Deschamps, joga com os três estados dimensionais, o realismo actual de um lado, onde os refugiados preenchem a narrativa com o seu “quê” de alarme, o estado fantasioso, como um sonho inabitado por criaturas fantásticas e distopias ímpares, e o mental, a loucura propriamente dita, sem julgar por entre sentenças induzidas nas suas personagens. É um exercício de realidades montadas em cima das outras até se fundirem numa ilha “desencantada” algures nesse vasto oceano.

Yilin Yang, atriz que já havia trabalhado com Deschamps no seu anterior New Territories, vive dessa oscilação de estados, uma loucura implementada na sua tragédia pessoal, uma ninfa perdida numa dimensão de fantasmas ausentes que aguarda a vinda de navegadores de outrora para o manterem sobre elos matrimoniais. Conseguindo transportar um filme que por si beneficia da sua esquizofrenia estilística, Yang é o desafio para os espectadores, a moral estará em jogo assim como a nossa clemência. O que é real, o que é onírico e sobretudo, o que é ficcional.

O tema dos refugiados contrai aqui um efeito surpresa, nunca um filme com tamanha denúncia o faz sob um jeito deslocado do nosso realismo formatado. Sem asas para pretensões maiores, Fabianny Deschamps cumpre o exercício pretendido, algo tecido por um constante desafio mental.

O melhor -as camadas sentidas e não perceptíveis do filme

O pior – ser meramente um exercício, não conseguir ser mais que o pretendido

Hugo Gomes

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