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«Théo et Hugo dans le même bateau» por André Gonçalves

Foi ainda a pensar no belíssimo filme chileno da sessão anterior, que se partiu para a sessão da noite convencido que dificilmente se poderia ver algo melhor, para terminar o visionamento a engolir as próprias palavras. 

Se “Rara [1]” representa um excelente exemplo da última geração do cinema “queer” (novas narrativas sobre a parentalidade), “Théo et Hugo dans le même bateau” representa até ver o exemplo máximo da narrativa “pós-sida“, onde a profilaxia pós-exposição é felizmente uma realidade à distância de uma ida a um serviço de urgência.  

Théo et Hugo dans le même bateau” começa, para quem não está habituado a ver sexo bem filmado no grande ecrã, de uma forma bem desconfortável. Uma sequência de fazer inveja às sessões “hard“, acrescente-se, pela realização que nos faz “voyeurs” privilegiados daquele espaço. Às 4 horas e 27 minutos, um cliente conduz-nos à cave do clube de sexo “L’Impact“, onde ao longo de 20 minutos extasiantes, por entre orgias, e mirones à procura da sua oportunidade, o espectador conhece os dois protagonistas, claramente definidos por um plano celestial. Um plano que pretende não só mostrar o seu estatuto especial de serem o objeto central do filme, como especificar aquele momento onde o lugar errado dá lugar a um momento certo, onde o amor acontece. Se será passageiro ou não, não saberemos, porque o filme vai acompanhar estas duas personagens numa dinâmica em tempo real ao longo da hora e meia seguinte. A revelação de que o sexo foi desprotegido, e um dos elementos é seropositivo desencadeia os acontecimentos seguintes, baralha sentimentos, e põe-nos no centro de uma Paris desconhecida dos filmes, a Paris das bicicletas, dos serviços de urgência nocturnos, dos kebabs, do primeiro metropolitano.  

A dupla de cineastas Olivier Ducaster e Jacques Martineau consegue assim também com que nos apaixonemos perdidamente pelo filme, tal como as suas duas personagens, encontradas ao acaso, e unidas pelo acidente de uma vez, se vêem atraídas uma pela outra, por conversas mais ou menos profundas, mas como se todo o tempo fosse importante. Uma dinâmica de conversas românticas em tempo real que neste novo século teve o apogeu com “Antes do Anoitecer“, de Richard Linklater, e que aqui encontra um sucessor à altura. Os praticamente estreantes Geoffrey Couet e François Nambot nunca acusam o fardo de carregar o filme às costas, a meias com a dupla de argumentistas e realizadores Ducaster e Martineau. 

O resultado final merece assim transpor a barreira do Festival, pois temos seguramente aqui um filme absolutamente essencial e que merece ser descoberto para quem conseguir suportar o primeiro troço do filme (da mesma forma que nós temos que “suportar” o sexo explícito heterossexual), a um nível tanto cinematográfico como de literacia para a saúde pública. 

O melhor: As personagens, o aproveitamento cinematográfico do tempo, enquanto mostra uma Paris desconhecida, estranha (“queer“), apaixonante. 

O pior: nada a assinalar 

André Gonçalves