Que Nicolas Winding Refn se tem muito em conta, é difícil refutar. Leia-se a sua entrevista ao jornal britânico The Guardian, onde afirma a certo ponto o seguinte: “Sou a vulgaridade. Sou o escândalo. Sou o gossip. Sou o futuro. Sou a contra-cultura. Sou a realidade comercial. Sou a singularidade artística“, e o público facilmente encontra reminiscências de outro provocador dinamarquês: Lars Von Trier. É uma frase bombástica, que parece ter sido proferida por um adolescente de 15 anos que acabou de ter a sua primeira experiência sexual, e no entanto é proferida por um homem de 45 anos que mantém um relacionamento estável de 21 anos com a atriz Liv Corfixen, a sua única namorada. Mas é uma frase que tem muito de verdade no final do visionamento do seu último ato de choque, “O Demónio de Neon“, para mim o auge da sua técnica e também do seu ego.

Será tão fácil recorrer aqui à teoria do autor como o é atualmente poder destilar doses mortais de veneno sobre o ego do cineasta. As suas iniciais “NWR” presentes no genérico de “Demónio de Néon” apontam logo para um enamoramento da sua persona (como se tal não fosse óbvio anteriormente,..). Não se trata aqui de uma mudança de identidade, mas sim uma cristalização daquilo que o tornou tão famoso em primeiro lugar: as cores néon bem complementadas com a música são o cartão de visita, o que salta logo à superfície – como sempre o foram, mas aqui, cruzes e triângulos, a fusão é ensurdecedora na sua perfeição formal. E poderia encher parágrafos a adular cada frame e cada nota da espantosa fotografia de Natasha Braier e da assombrosa banda sonora de Cliff Martinez, claramente o que vai convencer o espectador a revisitar o filme tão brevemente.

O que resta então para lá do som e da imagem, dos espelhos, e do truque de ilusionismo? Um cineasta arrogante? Um génio? Tudo isto?

Bem, temos atores a cumprirem as suas marcações: Elle Fanning claramente a entrar na idade adulta, mas mantendo aquele olhar cristalino que é exatamente o que o filme precisa; e, talvez ainda de uma forma mais marcante que a própria protagonista, a sempre subusada Jena Malone (“Donnie Darko“) aqui a agarrar o seu papel como se fosse a sua última grande oportunidade. Há cameos que não esperávamos que fossem cameos, sente-se alguma frustração do espectador alheio a não ter o filme que queria. (Fosse ele o terror ou a sátira pura.)

Refn ainda não é Von Trier, Lynch, Argento ou Verhoeven nos seus respetivos picos, alguns dos cineastas que claramente estima e alguns dos cineastas que regurgita no cocktail que nos preparou. Mas está definitivamente num bom caminho para ser o que nos diz; e não vale a pena o leitor pôr-se no caminho, para segurança dos seus olhos e restante corpo…

Pontuação Geral
André Gonçalves
Hugo Gomes
the-neon-demon-por-andre-goncalvesA aparente arrogância do auto-proclamado génio pode afastar as atenções para o que é definitivamente importante aqui: o saber fazer cinema.