Quarta-feira, 24 Abril

«El Incendio» (O Incêndio) por André Gonçalves

O cinema argentino volta a dar mostras da sua importância com um filme aparentemente modesto sobre um casal à beira de um ataque de nervos. “El Incêndio” pode parecer de facto modesto, na medida em que não possui grandes efeitos, nomes ou mesmo uma narrativa propriamente original, mas é sem sombra de dúvida um dos filmes mais inteligentes da temporada.

Narrando as 24 horas de um casal num processo aparentemente normal de aquisição de casa, este é um belíssimo filme sobre os “pontos mortos” da vivência em comum, entre planos que saem ao lado e que obrigam a testar compromissos.

O incêndio nesta película de Juan Schnitman pode ser figurativo, mas não deixa de queimar peles. O tom nunca é leve, e a trajetória de caos crescente é logo sinalizada nos primeiros minutos em boa verdade – onde uma tentativa de sexo é interrompida pela urgência da mudança de residência. Esta mudança, ao ser adiada um dia, vem trazer à superfície tudo o que estava a marinar entre Lucía e Marcelo, namorados trintões, que vêm num simples adiamento todo um teste ao amor e devoção que sentem entre um e outro.

Schnitman sabe manter o foco no casal, reduzindo os secundários a presenças mais figurativas (se houver algo de negativo que se possa apontar aqui, é precisamente nesta presença mais figurativa, de existir apenas para fazer avançar o conflito; mas tal implicaria um filme com mais uma hora de duração para o espectador… ), e o par Pilar Gamboa e Juan Barberini sobe à ocasião de interpretar este casal problemático e repleto de indecisões sobre o seu futuro. Mérito para esta dupla de atores, para Schnitman, que nos coloca sempre no centro deste incêndio sem saídas de emergência visíveis senão a do próprio cinema, e para o texto base de Agustina Liendo que preenche estes “tempos mortos” com uma universalidade no seu discurso que é desarmante.

O melhor: O esforço conjunto dos atores, realizador e argumentista.

O pior: O esforço sobre o casal acaba por reduzir todos os secundários a presenças mais figurativas. (Embora, como disse, a única alternativa viável seria aumentar a duração de hora e meia, sob o risco de perder a atenção do espectador por completo)

 

André Gonçalves

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