Se tivéssemos que avaliar atores como raças caninas, então difícil seria negar a existência de pedigree em Louis Garrel, o filho do cineasta Philippe Garrel, o neto do ator Maurice Garrel e ainda afilhado do também ator Jean-Pierre Léaud (o imortalizado Antoine Doinel dos “Les Quatre Cents Coups”, de Truffaut). Porém, não estamos aqui a discutir a árvore genealógica do protagonista de “The Dreamers”, mas sim confirmar a sua experiência, ou a possibilidade desta, captada na sua própria faceta artística. Talvez seja esse contacto direto com o Cinema, um dos motivos para avançar da interpretação para a realização de uma primeira longa-metragem.

Estampa-lo com a expressão “tal pai, tal filho” é visto como uma pura hipocrisia para ambos os lados. Não só Louis difere das influências supostamente recebidas pelo seu progenitor, como demonstra uma jovialidade mais hiperativa e simultaneamente, ao contrário do que se poderia imaginar, “acorrentada” aos velhos costumes da cinematografia francesa. Aliás, como o próprio havia salientado numa visita a Lisboa, é previsível apelidar o seu filme como um filme francês na sua ingénua forma.

“Les Deux Amis” (“Os Dois Amigos”) resulta na enésima abordagem do ménage-à-trois francês, um conjunto de relações afetivas (romance e “bromance“) que chocam neste composto triângulo isósceles, onde o terceiro elemento (Golshifteh Farahani), de natureza misteriosa, tem como propósito perturbar uma já vincada amizade masculina. A desmistificação dos três estarolas sem pingo de slapstick, mas que encontram o comic relief no embaraço – na humilhação das suas personagens – apresentam uma espontânea vontade de destacar num mundo firmado pelas rotinas agendadas.

Esse mesmo trio “quebra o gelo” de alguma forma, vivendo o dia como fosse o último das suas respectivas vidas. “Os Dois Amigos” é também um retrato sobre a maturidade, por vezes precoces em contraste com um período globalizado e recheado de medos interiores. Aqui, as personagens masculinas são “bebés grandes“, seres inadaptados a responsabilizar dos mais cruciais atos, e ela, dotado por um propósito quase “disnesco” de procurar algo mais na limitações do seu quotidiano.

Escrito a meias com o seu amigo Christophe Honoré e co-protagonizado com outro amigo seu, Vincent Macaigne, o realizador Louis Garrel providência dos elementos mais estereotipados do cinema francês para recriar uma interpretação íntima desses mesmos códigos. De tal maneira que este “Os Dois Amigos” funciona como uma prolongada reinterpretação do êxito de “The Dreamers: Os Sonhadores”, de Bernardo Bertolucci, o qual também protagonizou um tão famoso ménage-à-trois. “Queria fazer amor com este filme”, disse o próprio realizador / ator quanto aos desejos desta sua estreia na direção – concretizar uma obra íntima – um prazer seu que possa ser partilhado pelos demais.

Até certo ponto, Louis tem razão, o cinema não tem que ser um entretenimento de massas pensado e automatizado por produtores para preencher uma faixa ou classe etária, mas sim, um pedaço de nós (cineastas) com o deleite de ser distribuído para um terceiro elemento: o espetador. Nesse ponto de vista, Louis Garrel aprendeu com o seu pai, mesmo que o seu cinema não traga nada de novo para estas “bandas“.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
les-deux-amis-os-dois-amigos-por-hugo-gomesO melhor - o empenho de Louis Garrel em destacar na realização / O pior - apesar do conhecimento dos já perpetuados códigos do cinema francês, Os Dois Amigos não tem a expressão de perdurar