Sexta-feira, 29 Março

«Our Kind of Traitor» (Um Traidor dos Nossos) por Hugo Gomes

John le Carré continua como uma das grandes fontes de inspiração para policial cinematográfico, esse vinculo entre as duas artes (as páginas do seus best-sellers e o grande ecrã) já havia resultado alguns exemplos admiráveis. Basta recordar O Espião que Saiu do Frio, de Martin Ritt, assim como o A Toupeira [ler crítica], um thriller de classe dirigido por Tomas Alfredson e com um desempenho insólito de Gary Oldman e mais recentemente O Homem Mais Procurado [ler crítica], de Anton Corbijn, que viria a ser o último grande filme do falecido ator Philipe Seymour Hoffman. Mas por entre esses filmes que tão bem empregaram a técnica e talento de Carré surge-nos Um Traidor dos Nossos, um policial morno que nas mãos de Susana White (da sequela de Nanny Mcphee) converteu-se na enésima ingestão de pura ingenuidade. 
 
Um filme sobre heróis acidentais que remexe nas memórias da Guerra Fria para manusear um evidente maniqueísmo. Uma pena, visto que o título original – Our Kind of Traitor – trazia consigo uma ironia mórbida quanto à sugestiva aclamação de “traidor“. Infelizmente o filme ficou-se por um ensaio de civismo questionável que salienta o sacrifício do cidadão em prol dos interesses das agência de inteligência governamental. Se não é isto que a história original pretendia transmitir, então é essa a interpretação retirada por Susana White aos escritos de Carré, converter meros professores universitários em agentes de última hora, esconder a mediania num sonho molhado envolto de adrenalina, a acrescentar com a prolongada luta contra as forças soviéticas (neste caso, pró-soviéticas). 
 
Um pouco como Paul Verhoeven fez com o seu Desafio Total, a aventura, o perigo e a ameaça global como ingredientes férteis para o escapismo da “aprisionada” rotina. Em O Traidor dos Nossos, o dito escape é encontrado num voluntariado que poderá colocar em risco não só a integridade do protagonista como dos seus entes queridos, “but who cares“, desde que o mundo esteja a salvo dos russos, toda a gente pode dormir descansado (profunda ironia, para quem não entendeu). Nada contra a estas reações de resistência idealista, mas este tipo de moralidade do “yes, you can” não combina com o registo astuto que John Le Carré nos havia transmitido nas suas obras, assim como nas suas respetivas adaptações. 
 
Ao invés disso ficamos com um previsível thriller recheado de personagens mal construídas (o que faz Naomi Harris no meio disto tudo é um verdadeiro mistério) e um enredo com requisitos urgentes de inovação. Para ver e esquecer!   
 
O melhor – Se tivermos que mencionar, então ficamos por Damian Lewis
O pior – a ingenuidade quase pueril do enredo em conformidade com um maniqueísmo desajustado. Por fim, temos um casal protagonista sem qualquer tipo de pingo de interesse.
 
Hugo Gomes
 
 

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