Sexta-feira, 29 Março

«Angry Indian Goddesses» (Deusas em Fúria) por Jorge Pereira

Há algo de muito errado nesta comédia dramática Deusas em Fúria, um sucesso indiano que se estabelece como um filme que procura o progresso da sociedade através de diversos tópicos ligados à condição da mulher na Índia, mas que acaba por se revelar profundamente troglodita e medieval no seu término, numa clara apologia ao vigilantismo (num estilo bizarro”O Captain! My Captain!” de Clube dos Poetas Mortos).

Mas ainda antes disso, este sucesso além fronteiras em diversos festivais de cinema (Roma, Toronto), em especial no que diz respeito à aceitação do público, começa por se desvendar como uma comédia totalmente no feminino que foge da tipificação da mulher do cinema de Bollywood (a eterna dama em perigo). O filme apresenta, uns atrás dos outros, diversos problemas sociais de extrema relevância, momentos musicais na forma de videoclipe e o sentido de irmandade destas amigas até em temas bem fúteis (típicos dos buddy movies).

Da homossexualidade às castas, à infertilidade, aos casamentos infelizes, à falta de valorização profissional, a depressão, ao ativismo, à justiça que não funciona, ao constante assédio, à misoginia, à ausência parental junto dos filhos, etc, etc, Deusas em Fúria aborda tudo, mas a forma e subtileza de o fazer é a de um martelo pneumático apressado onde nunca nada funciona para além do mero panfleto didático, moralista e propagandista – embora a causa feminina seja mais que justa e importante de abordar.

Desta maneira, tudo é resumido aos mais básicos estereótipos, seja na história de um grupo de mulheres que se junta para a despedida de solteira de uma delas (numa forma não muito diferente de A melhor Despedida de Solteira, ou a sua versão masculina A Ressaca), seja nas personagens em si, carimbadas com todos os clichés e feitios. Assim, temos a artista (Sarah-Jane Dias), a mulher de negócios durona (Sandhya Mridul), a ativista (Tannishtha Chatterjee), a cantora depressiva “badass” (Anushka Manchanda), a atriz sonhadora com sotaque britânico (Amrit Maghera), a mulher troféu que quer a sua independência (Pavleen Gujral) e a empregada doméstica local mais ligada aos costumes tradicionais (Rajshri Deshpande).

Se a química entre todas as personagens e atrizes funciona numa primeira fase, a sua desarticulação com o argumento – que a certo ponto fica sufocado de tantos temas importantes – acaba por transformar todo este trabalho numa fita extremamente desequilibrada com uma agenda muito clara, mas com pouco tempo para aprofundar seriamente qualquer um deles. Se a intenção é boa? Sim. Se o resultado final como cinema merece ser louvado? Nem por isso.

O Melhor: A química entre as atrizes
O Pior: O argumento está tão sufocado de temas e problemas que algumas resoluções são artificiais e demasiado apressadas para caber nos 120 minutos de película


Jorge Pereira

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