Quinta-feira, 28 Março

«Cinzento e Negro» por Hugo Gomes

Três desconhecidos cercam uma isolada casa do Pico (Açores), aguardando pela vinda do seu habitante. O objetivo da espera deste trio – que se conheceram através de casualidades – diverge; um espera somente por dinheiro, outro por vingança e o último por compaixão. Não estava predestinado este dito climax, até porque não foi o destino que juntou estas três caricatas figuras, mas sim um complexo conjunto de acasos que apenas evidenciam que a última obra de Luís Filipe Rocha, Cinzento e Negro, foi “montado” através de ideias dispares.

A segunda colaboração do realizador de A Outra Margem com o ator Filipe Duarte é um misto de western com neo-noir que divaga pela mais antiga das Histórias do Cinema: o golpe e a evasão. As claras alusões às tragédias gregas, nomeadamente ao clássico de Homero A Odisseia encontram-se percetíveis na utilização deste cenário remoto, que quase chama pelos mais longínquos marinheiros e aventureiros. Porém, este Cinzento e Negro ao contrário da ambiguidade que o título parece indiciar é um exemplo afável de ingenuidade no cinema português.

A moralidade, felizmente, é dissipada em qualquer ato, mas o modo como caminha para esse suposto lado negro é de uma construção narrativa débil, onde os amontoados segredos das suas personagens, as suas origens e destinos, um dos ingredientes apostados pelo realizador, estão longe de captar a curiosidade do espectador. Este é um dos exemplos que não adequa à expressão “a curiosidade matou o gato”.

Todavia, a fotografia de André Szankowski é uma agradável surpresa, trazendo consigo, principalmente no último tomo, um Pico indomável e intocável pela “mão humana”, mesmo que a casa esteja presente no dito “quadro”. Os desempenhos são outras valias, não ousando em transgredir as personagens. O indicado foi somente preenchem com rigor estes peões pitorescos, que tal como no filme de Sérgio Leone, Aconteceu no Oeste, posicionam-se para “dançar” com os seus íntimos conflitos.

O melhor – a fotografia e a paisagem
O pior – entre cenas que funcionam como pérolas, a construção narrativa carece de ritmo de uma condução mais confiante.


Hugo Gomes

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