Sexta-feira, 29 Março

«Julieta» por Hugo Gomes

Tudo indica que Pedro Almodóvar encontra-se incapaz de recuperar o seu estatuto após o malfadado Amantes Passageiros, aquele que seria o seu regresso à tragicomédia resultou numa espécie de caricatura de si mesmo. Com Julieta, anteriormente apelidado de Silêncio, e cuja alteração se deveu à futura produção de Martin Scorsese, tinha tudo para recolocar o cineasta espanhol no mapa, ainda mais com a presença do filme na tão desejada Competição de Cannes. A pressão era realmente insuportável, o escândalo dos Papéis do Panamá que trouxeram às manchetes jornalísticas o nome de Almodóvar, e ainda mais a acumulação de repudia que os cinéfilos do seu país têm ultimamente suscistado.

Infelizmente, Julieta funcionou como uma promessa. O resultado, esse, está muito longe das juras de “Pedrito”, até porque o seu toque Midas que tão bem se sentiu em obras como Tudo Sobre a Minha Mãe e Fala com Ela, está há muito desaparecido. Temos sim o Almodóvar assumidamente clássico, mas temos simultaneamente um homem cansado, pouco inventivo e “encalhado” num universo que prometia ter deixado durante a estreia de A Pele onde eu Vivo. Aqui, Julieta é uma personagem dividida entre duas fases temporais narradas através de flashbacks e de diários “bressianos”. Deparamos então com a sua juventude (Adriana Ugarte), o período que vive um romance com um pescador e cuja relação gera uma filha, e 25 anos mais tarde, quando se transforma numa mulher envelhecida (Emma Suárez, Tierra), determinada a esquecer os seus mais atormentados fantasmas.

É a revisão narrativa de Má Educação consolidando a subtileza de Abraços Desfeitos, porém, algo realmente falhou em todo este desenvolvimento. De salientar a sua estética presa aos parâmetros televisivos e a fraca aptidão na construção de personagens sólidas e fora dos esboços “almodoverianos” o qual parecem tomar. A sua coloração dá ainda a Julieta uma tendência de masturbação burguesa, até porque esta é a Espanha dos pseudo-cultos, dos sonhos retomados e encarados com imersivo optimismo e da austeridade como fruto fantástico de outros tempos. Tudo indica que esta longitude para uma Espanha real faça que os seus conterrâneos troçem de um dos mais mundialmente famosos realizadores do seu país.

Mas é bem verdade que não existe a necessidade de acorrentar-se ao realismo e esquivar qualquer hipótese de romantismo cinematográfico, nada disso. O pior é quando Pedro Almodóvar prefere fazer telenovelas estampadas em grandes telas, do que propriamente Cinema. O dramalhão trágico sem rigor e com um malabarismo escavacado. Um fracasso!

O melhor – A tentativa de ser o clássico Almodóvar
O pior – personagens fracas, registos empoeirados e uma direção quase “arraçada” de telenovela


Hugo Gomes

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