Quarta-feira, 24 Abril

«I, Daniel Blake» (Eu, Daniel Blake) por Hugo Gomes

 

Ken Loach continua a sua luta pelos direitos da classe operária, tentando denunciar um sistema falível de Segurança Social e o peão dessa sua experiência propagandista é Daniel Blake (Dave Johns, um sério candidato ao prémio de Melhor Ator em Cannes), um carpinteiro de meia-idade sob graves problemas cardíacos que luta contra a burocracia em prol dos seus direitos enquanto cidadão. Neste caso uns “trocos” para a renda semanal era mais que bem-vindo, mas uma realidade cada vez mais difícil perante uma sociedade que não integra nem deixa integrar. Não é mais uma citação de “este país não é para velhos”, trata-se sim da busca pelo orgulho do proletário, e toda a propaganda que é assim afinada, não validando, portanto, a emoção dita cinematográfica, quase emprestado aos grandes crowd pleasures de Hollywood.

No ano passado, assistíamos igualmente na competição de Cannes A Lei do Mercado, de Stephane Brizé, um filme muito apegado ao realismo que reduzia o ator Vincent Lindon ao desespero enquanto desempregado. Ao contrário dessa obra, Ken Loach apela à emoção como veiculo de luta e o seu apoio neste teor contrai maravilhas para o espectador. Em simultaneamente com os vínculos de realidade formal que esboça nesta desesperante jornada de um homem que acima de tudo deseja ser tratado como tal e não, como é referido a certa altura, num cão.

Mais do que um ensaio precário à lá Laurent Cantent, I, Daniel Blake apresenta-nos outras importantes questão na nossa sociedade, entre os quais a apresentação da tecnologia não como um facilitismo, mas como um obstáculo para a população mais envelhecida, e o facto desses sistemas de Segurança Social apoiarem quase exclusivamente no informático. Existe particularmente uma sequência onde Daniel Blake revela uma cassete de música a uma criança, sendo que esta desconhece por completo tal formato físico. Isto tudo para dizer que os tempos constantemente mudam e não tréguas a quem continua presente no “século passado”. Emotivo e igualmente furioso.

O melhor – Dave Johns, o estado furioso e ativista de Ken Loach
O pior – Chega a ser previsível


Hugo Gomes

 

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