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«Flotel Europa» por João Miranda

Nos anos 90, quando a guerra na Bósnia obrigava milhares de pessoas a fugir desse país, o número de refugiados era tal que a Cruz Vermelha se viu obrigada a criar um centro temporário de acolhimento num enorme navio: o Flotel Europa. Capaz de albergar um milhar de pessoas ao mesmo tempo, o centro destinava-se a hospedá-las enquanto estas esperavam o resultado do seu pedido de asilo na Dinamarca (que ainda agora pode demorar cerca de dois anos a ser analisado e concedido).

Longe do conflito e das pessoas que ficaram para trás, a procura de comunicação levou um deles à compra de uma câmara VHS para poder filmar “cartas” para a família e a realidade de quem vivia nesse barco. As várias cassetes gravadas (entre as que se perderam ou se estragaram) são o material usado por Vladimir Tomic, ele próprio refugiado e habitante nesse centro, para criar este documentário.

São várias as conclusões que se podem tirar deste documentário. A maioria delas não é muito favorável para a Europa e o conceito que tem dela própria, ou para a Humanidade e a forma como repete sistematicamente os mesmos erros. Com imagens e discursos semelhantes aos que se viram antes e depois dos acontecimentos mostrados neste filme, existe um amargo de boca na forma como o sonho Iluminista falhou e como ideias humanistas do pós-guerra foram apropriadas, distorcidas, tornando-se na motivação de muitos dos problemas atuais, quando tinham sido desenhadas para nos proteger da sua recorrência.

Mas não se pense que este é um filme amargo. Há muita miséria e conflito presente no barco (que, de alguma forma, quase consegue reproduzir o conflito que deixou para trás), mas esta é vivida pelos olhos de uma criança que, impondo a narração às imagens, nos conta também do bem que via e crescia naquele local. Amigos, amores, desencontros e desgostos, todos os elementos que vêm com o crescimento têm lugar no filme. E música! Muita música. Com alguma destreza e inocência, consegue evitar-se o discurso vitimista e criar um filme que, não minimizando tudo o que se passa, encontra, ainda assim, leveza e momentos respiráveis.

 

O Melhor: Temas complexos não simplificados.

O Pior: A qualidade visual do VHS não é a melhor.

João Miranda