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«Jia» (The Family) por João Miranda

Uma das reações à perceção da velocidade acelerada da vida moderna tem sido o adoptar de um ritmo mais lento, quer no estilo de vida com pedidos constantes de “take it easy”, quer na comida com a “slow food”, quer nos media com a “slow tv” (poder-se-ia fazer uma análise ao uso do inglês em todos eles, mas este não é o local). Jia parece querer inscrever-se nesse registo. Com quase cinco horas, o ritmo assumido é o de um casal de idosos reformado que seguimos enquanto estes visitam os seus filhos. A referência óbvia a fazer é a Tokyo Story de Yasujiro Ozu, um dos filmes que surge merecidamente em listas dos melhores de sempre, mas afasta-se dele em vários pontos, não só na duração: a indisponibilidade dos filhos para com os pais não é tão agressiva e estes não são vistos como empecilhos.

Se há um grande problema com este filme é a sua duração: é absolutamente incontornável. A experiência de vê-lo aproxima-se mais ao binge watching do streaming do que ao cinema. A sua divisão em regiões parece torná-lo propício a isso mesmo, com a narrativa a ser organizada em diferentes “capítulos”. Mas essa proximidade não o beneficia: se olharmos para cada um desses capítulos como unidades vemos que não se passa nada que justifique o tempo que têm. Pior: se olharmos para os vários capítulos, vemos que são várias as situações e cenas que se repetem sem adicionarem algo de interesse ou importância à narrativa principal. A isto junta-se a duração dos planos, excessiva e mesmo absurda, com muitos a começarem antes das personagens surgirem e a prolongarem-se muito para lá destes terem desaparecido. Sim, há várias leituras que se podem fazer deste estilo, desde a simples referência ao neo-realismo italiano até ao revelar da indeferença da sociedade moderna para com os idosos, mas depois de várias horas sentado no cinema toda a boa vontade se dissipa para com elas. E depois há as excrescências inexplicáveis: os flashbacks que se iniciam mais de três horas depois do início do filme e o final completamente despropositado.

Este será, para alguns, um dos melhores filmes do festival e não há dúvida que há aqui muito para louvar, mas ao ter tomado uma decisão que ignora o estado mental e físico do espectador, Shumin Liu, o realizador, apenas debilita a empatia e boa vontade que procura nele ao mesmo tempo, para que o filme possa ter algum impacto emocional. Ao procurar uma dimensão humana na passagem do tempo, foi esquecida a de quem vê o filme.

O Melhor: A relação do casal central.
O Pior: A duração; os flashbacks; o final.


João Miranda