Quarta-feira, 24 Abril

«Innocence of Memories» por João Miranda

A narrativa é um dos mecanismos (ou deveria escrever instinto?) mais poderosos. Permite-nos tecer significados e criar histórias/teorias que tentam explicar o que vemos à nossa volta. Mais importante, permite-nos construir estruturas e culturas complexas, onde podemos crescer e encontrar maneiras de estar na sociedade em que nascemos. Se durante a maior parte da História da Humanidade estas eram transmitidas de forma oral, a criação da imprensa (séc. XV) e do museu (séc. XVIII), alteraram a forma como estas narrativas circulam, a primeira provocando uma explosão em temas, formatos e públicos, a segunda institucionalizando-as (por vezes obscurecendo-as). O escritor turco Orhan Pamuk, vencedor do Prémio Nobel da Literatura em 2006, um completo apaixonado pela sua cidade natal, Istambul, teve a ideia de criar uma narrativa experimental que deu origem primeiro ao livro “O Museu da Inocência” e posteriormente a um Museu.

Innocence of Memories é um filme ambicioso que tenta recontar a história do livro, usando o museu para a ilustrar, e sobrepondo a isto a Istambul de Pamuk, a sua história recente e a história do escritor e a sua relação com a cidade, num entrelaçar fascinante e cuidado, não permitindo que nenhuma das partes se sobreponha às outras. Há realizadores que sonham fazer filmes assim e que falham miseravelmente, criando mosaicos grotescos e incompletos, mas Grant Gee, o realizador, trabalha com Pamuk para criarem uma torrente de imagens (visuais e não só) que nos avassala e nos transporta numa viagem única.

A forma como o dia-a-dia de uma história de amor se mistura com o de uma cidade milenar e a sua história recente, com um deambular baudelariano constante do escritor nas ruas noturnas de Istambul, com os seus gatos e cães de rua, com a presença constante ora da história do livro/museu ora de uma entrevista de Pamuk, aproximam-se da deriva situacionista, num mapa psico-geográfico que é criado e desenrolado com o filme. Dá vontade de apanhar o próximo voo para Istambul e tentar descobrir todos aqueles locais sobrecarregados agora de situações reais e inventadas, sem qualquer diferença na sua intensidade, ou, à falta de disponibilidade, de percorrer as da nossa, lembrando todas as coisas que nos aconteceram e até, possivelmente, criando mais…

O Melhor: Pamuk; a Ideia; a Estrutura; a imagem belíssima.
O Pior: Deixa vontade de mais, mas num bom sentido.


João Miranda

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