O cinema é dotado de uma linguagem, um dialeto trabalhado e aperfeiçoado por mais 100 anos de existência e que tal esforço se traduz através do seu visual. Tornando-se, segundo a teoria mais básica e prática do funcionamento expressivo da Sétima Arte, no “ingrediente fundamental” da narrativa cinematográfica. Mas por vezes surgem filmes cuja verdadeira história faz-se através dos silêncios, do ausente, do que não é mostrado, nem em campo, nem sequer fora de campo, é a sugestão poética invocada em cada frame, em cada plano, em olhar e obviamente em cada gesto. E são filmes como este – “A Espera” (“L’attesa”) – que nos fazem acreditar que o cinema é muito mais do que imagens, são sentimentos celebrados, neste exemplo, velados no recanto mais obscuro e ao mesmo tempo mais luminoso.

A primeira longa-metragem de Piero Messina recorre a um enredo tão minimalista que persegue em toda a sua duração; uma mãe de luto pela perda do seu filho, agora encarregue de revelar tal morte à namorada deste. Um objetivo constantemente procrastinado como representasse os “cinco minutos de Paraíso” entre uma mãe a fim de conviver com os últimos redutos da memória do seu “rebento”. Messina trabalhou com Sorrentino em duas obras (incluindo o consagrado “La Grande Bellezza”), sendo possível as comparações do seu visual com o seu anterior “mestre”. E que visual apresenta! Como um quadro de Caravaggio, Messina aproveita a luz e as sombras para conceber um palco de ilusão, onde lutos são ocultados mas não desviados da nossa atenção, com efeito disto, o realizador tem na sua mão um exemplar tradicional em consolidação com a sofisticação da fotografia.

O tradicionalismo transmite uma carga poética que aufere uma sensação de “amarcord“, neste caso a nostalgia constantemente referida. Se o “olhar” é importante na tradução narrativa da fita, a música transcreve esse ambiente em seu proveito. Com The Missing, de The XX, a conferir os créditos iniciais como um anunciado velório ou Leonard Cohen e o seu “Waiting for a Miracle” a perpetuar e relembrar o silencioso conflito que afronta a obra, nesta particular sequência envolvida numa dança sedutora como uma serpente e o seu flautista, é ditada por um jogo de olhares, uma envolvência que as duas personagens principais parecem compreender.

Aqui a cumplicidade é dita através do “não visto”, com Juliette Binoche a compor uma mulher sofisticada, abalada pela perda, e cujo luto torna-se no seu lar de emoções, por outro lado, Lou de Laâge (a estrela de “Respire”, de Mélanie Laurent), é uma jovem involuntariamente presa a uma ilusão. As duas atrizes completam-se numa sincronia de gestos, como tal, basta apenas verificar a emocionante cena em que Binoche adia a revelação e a reação sublime de Laâge perante em tão doce e vil mentira.

Como se tudo fosse uma questão de esoterismo, o clímax de “A Espera” é arrostado com a visita de fantasmas, ilusões, memórias, conforme quiserem descrever, operando como verdadeiros “Deus ex Machina” neste autêntico peso da confissão. Mas a verdade é que Piero Messina não possui preocupações com a linearidade da narrativa, apenas implica a forma como esta transcende à sua estrutura. Por outras palavras, existem dois filmes aqui. O orquestrado pelo visual e aquele que é dito por palavras mudas, esse, sim, a verdadeira obra nesta tão sublime pauta.

Pontuação Geral
Hugo Gomes
l-attesa-a-espera-por-hugo-gomesUm filme refém pelo "não dito" e pelo "não mostrado"