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«Miss Hokusai» por João Miranda

Hokusai é o artista japonês do Período Edo mais conhecido internacionalmente. A sua A Grande Onda de Kanagawa já atingiu um estatuto incónico, sendo mais reconhecível que o seu nome. Se este artista é quase completamente desconhecido pela maioria das pessoas, a sua filha O-Ei é-o ainda mais. Baseando-se na série histórica publicada nos anos 80 de Hinako Sugiura, Miss Hokusai pretende contar uma história possível desta artista, cuja presença e ajuda no trabalho do pai é motivo de especulação.

Como a pintura dessa época, a história aqui contada é esquemática, com apenas alguns traços simples, mas importantes. Com uma natureza episódica, o grande mérito do filme está em conseguir contar as relações complicadas entre as personagens e os contextos em que estas se desenvolvem, sem nunca assumir uma posição de julgamento ou crítica. Tendo em conta o duplo deslocamento, o geográfico e o histórico, em relação à nossa cultura, cenas como as em que o sobrenatural é levado como algo real e com o qual se tem de lidar podem parecer estranhas ou mesmo absurdas, mas é aí mesmo que reside a força deste filme: se houvesse um qualquer paternalismo ou cinismo do filme, toda a estrutura se desmoronaria.

Com uma animação de uma qualidade a que o cinema já nos habituou, é difícil acreditar que este é o realizador de séries como Shinchan, cuja crueza quer de traço, quer de actos, contrastam fortemente com o que acontece aqui. A recriação de algumas das pinturas de Hokusai e a forma como a paisagem é continuamente representada produzem alguns dos momentos mais marcantes deste filme. Se há alguma coisa que destoa aqui é a música. Há um anacronismo na forma como o rock se sobrepõe ao que é obviamente um tempo e uma mentalidade diferente. Um contraste que não se consegue assimilar ou esvanecer e que se renova cada vez que se ouve.

Um filme magnífico que perdurará na memória de quem o vir e continuamente surpreenderá pela subtileza e simplicidade com que transmite temas tão complexos e consegue, de forma sobrenatural, trazer de novo à vida uma personagem desaparecida há tanto tempo e de quem não se sabe quase nada.

O Melhor: A animação; os traços simples da personagem que se fundem numa imagem profunda e complexa.
A Pior: A banda sonora anacrónica. 


João Miranda