Quinta-feira, 28 Março

«Trois Souvenirs de ma Jeunesse» (Três Recordações da minha Juventude) por Duarte Mata

Paul Dédalus era já o protagonista de um filme anterior de Desplechin que nunca estreou em Portugal, Comment je me suis disputé… (ma vie sexuelle) onde era também interpretado por Mathieu Amalric. Não é necessário vê-lo para se deixar ser afetado pelo encanto de Três Recordações da Minha Juventude. Dédalus é um Ulisses moderno: viajante e corajoso, mas perdido, deambulando entre países e com um desejo de regressar a casa que se vê adiado. Essa casa não é, obviamente, um espaço físico, mas uma mulher: Esther, símbolo da eterna candura feminina e do amor idílico dos poetas.

São, de facto, três momentos os recordados pelo protagonista e que têm como foco principal, respetivamente, a brutalidade da infância, o desejo filantropo quase irresponsável de mudar o mundo que surge no liceu, e o amor incondicional na vida universitária. Desplechin deixa a última recordação (com o título da amada) ocupar a maioria do filme, encenando-a com graciosidade e, em simultâneo, violência (não por acaso, cada vez que se usa um travelling, salienta-se a ideia de que este amor é passageiro). É um romance atormentado pelo ciúme que reflete o que Truffaut disse conclusivamente em A Mulher do Lado, “Nem contigo, nem sem ti“. No entanto, este último fragmento necessita dos dois primeiros para transformar o protagonista em alguém que não sabe mais a sua identidade (num sentido literal e metafórico) e que afirma permanentemente que nada sente.

Estamos diante um daqueles casos em que já não conseguimos distinguir o que é ficção do que é um retrato narcisista do seu autor. A adolescência é aqui embelezada como um tempo decisivo, onde a amizade tem que seguir os códigos do western (o único filme que aparece numa televisão é desse género), sendo sinónimo de respeito mútuo a ser cumprido, e as mulheres estão no centro de tudo. Indecifráveis, magoadas e confusas, é certo, mas ainda assim, no centro. São elas que definem as melancolias e mágoas da vida adulta, e que levam a mente a encher-se de Platão e o coração a alimentar-se de Yeats. No entanto, não é demasiado sentimental, e Desplechin não se esquece de incluir alguns momentos decisivos da história da década de 80 (a queda do muro de Berlim) para conferir um maior realismo, estando a obra inteira num certo espírito saudosista de memórias imperfeitas. Não é nada de novo, mas é um belo, infindável e labiríntico retrato que nos é partilhado. E tudo acaba num enquadramento congelado, contendo um sorriso inapagável em qualquer memória. Entre poemas e cigarros, Desplechin cria o seu épico. Era uma vez em Paris…

O melhor: O espírito saudosista e a história de amor passageiro.
O pior: Por vezes, há um elevado trabalho de montagem em cenas que só requeriam uma maior atenção aos atores.


Duarte Mata

 

 

 

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