Sexta-feira, 19 Abril

«Umrika» (Umrika – Em Busca do El Dorado) por Jorge Pereira

Curiosa a abordagem que o realizador Prashant Nair aplica neste seu Umrika – Em Busca do El Dorado, um filme agridoce sobre o inevitável choque entre as ilusões das migrações e a dura realidade. Mais que um filme sobre a transição de um local para outro, este é um trabalho sobre o que leva alguém, fora de um cenário de guerra ou do verdadeiro desespero económico, a migrar. Quais são os seus sonhos, o que é que nos liga a determinado local e qual a perceção que têm das culturas distantes?

Em particular, acompanhamos Ramkant (Shubham More/Suraj Sharma), um jovem que vive em Jitvapur, uma pequena aldeia indiana, e que desde pequeno sonha com a Umrika (EUA), principalmente instigado pelos relatos que Udai (Prateik Babbar), o seu irmão mais velho vai fazendo, por carta, à família.

Andy Warhol, que um dia afirmou que «toda a gente tem a sua própria América», serviu de inspiração para Nair, cineasta que viveu em praticamente todos os continentes durante a sua vida e que aqui escrutina a mitologia em torno dessa Umrika e, mais em geral, de como as diferentes culturas se vêem, em especial no constante abuso dos estereótipos e incompreensões típicas de todas as coisas desconhecidas. Basta ver o olhar fascinado e desconfiado dos habitantes de Jitvapur quando chegam até si fotos, cartas e presentes desse território longínquo, e a forma como eles mesmo criam as suas próprias interpretações e suposições, atribuem uma rotulagem “exótica” a esse mundo onde existem mulheres lutadoras, uma marmota que antevê a chegada da primavera, e até um artefacto (sanita) que suga tudo o que para lá vai parar (mas que só os brancos podem usar). Mas este estudo de diferentes culturas separadas por milhares de quilómetros não é o único por aqui. A diferença de vida entre as grandes cidades indianas e as zonas mais rurais está também em foco, isto para além de se tentar sempre captar o sentimento de uma época.

A ação transposta para o grande ecrã passa-se nos anos 70 e 80, mas o realizador só nos diz isso através de pequenos exemplos da cultura pop e notícias nos jornais, como a morte Indira Ghandi (1984), e a estreia de Indiana Jones e o Templo Perdido, num dos momentos mais caricatos e divertidos do filme. A própria escolha musical e a opção em filmar em 16mm pela cinematografa Petra Korner, procuram datar o filme nesse período, levando-nos visualmente a tons mais granulados.

Nair, que confessou ter estudado profundamente o cinema de Bollywood dos anos 80, apenas traz dele as relações e as expetativas familiares e sociais, afastando-se principalmente de qualquer presença de momentos musicais ou de paixonetas amorosas pastiche para dar ao filme um tom excessivamente “feel good”. Por outro lado, o realizador também se afasta da visão plastificada do postal turístico da Índia para o público ocidental, criando assim uma obra com um tom muito próprio, mas que nunca renega as suas raízes, influências e ingenuidades.

O melhor: A transposição da perceção exótica que as culturas têm umas das outras. O olhar ingénuo e o contraste com uma realidade repleta de sacrifícios.
O Pior: Nada a apontar


Jorge Pereira

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