Quinta-feira, 18 Abril

«The Big Short» (A Queda de Wall Street) por João Miranda

 

O sonho americano já foi reformulado muitas vezes, havendo uma acentuação forte na ganância e no egoísmo há décadas. Isto pode ver-se nas grandes produções do que é um dos principais motores da hegemonia cultural desse país: Hollywood. De há uns anos para cá, depois do rebentar da bolha imobiliária (e não só) de 2008, muitos foram os filmes que tentaram, de alguma forma, mostrá-lo e, com um grau maior ou menor de sucesso, criticá-lo. Veja-se o caso de O Lobo de Wall Street, onde as festas e a falta de consequências se sobrepõem a qualquer tentativa de crítica. Na realidade, muitos, para além de “glamourizarem” e idealizarem pessoas cuja desonestidade só é segunda em relação à sua ganância, servem apenas para aumentar a alienação e frustração de quem os vê. The Big Short é mais um assim.

Explorando o que levou ao crash de 2008, The Big Short segue algumas personagens que descobrem antes do resto do mundo que todo o esquema económico baseado no mercado imobiliário era fraudulento e que a qualquer momento iria desabar. Se esta descrição nos poderia a levar a pensar em filmes como All the President’s men ou Spotlight, tudo muda quando percebemos que a intenção destas pessoas não é avisar ou mudar, mas lucrar com isso: estamos a falar de gestores de fundos de investimento que, ao perceberem o que se passa, apostam contra o mercado imobiliário. Sim, há algumas alusões à tragédia humana que se aproxima e, no final, uma crise de consciência tão forçada que não parece fazer parte do mesmo filme, mas a maioria do tempo estas pessoas estão só incrédulas pelo sistema que se gerou entre os bancos, as agências de rating e as imobiliárias e pela estupidez/ignorância de quem participa nele, enquanto esfregam as mãos de contentes e fazem contas de cabeça. Pelo meio, algumas lições de economia de uma condescendência insuportável que se misturam com um sentido de humor básico e sem capacidade crítica. O mais subtil que se parece fazer são as referências culturais à época em que tudo se passou e o mascarar os grandes nomes que participam no filme.

The Big Short até pode ser um filme bem intencionado, mas acaba por ser “another brick in the wall” da nossa alienação, sem qualquer capacidade crítica ou política. Na sequência de “heróis” que nos são apresentados vê-se o sonho americano do “salve-se quem puder“, do darwinismo social e do neoliberalismo. Sente-se, mesmo que até possa haver um esforço de os mostrar como bestas asquerosas, uma admiração por eles, pela sua habilidade de ganharem dinheiro e de suplantarem todos os outros. De quem são estes heróis? Uma sociedade também se define pelas histórias que conta, pelas narrativas que circulam os conhecimentos e os valores em que se baseia. Porque temos constantemente de ser invadidos por Steve Jobs, Jordan Belforts, Gordon Geckos e toda essa escumalha que representa o pior do que a sociedade americana ofereceu ao mundo? Contra esta barragem devemos resistir, avançar contra quem nos vende patranhas como inevitáveis, recusar os ídolos que nos oferecem, perceber o que podemos fazer não só a nível local, mas também global. Há que desenvolver uma consciência política e exercê-la de forma ativa no mundo que nos rodeia.

O Melhor: A imagem e a edição.
O Pior: A alienação mercantilizada e impingida por Hollywod.


João Miranda

 

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