Sexta-feira, 29 Março

«Trumbo» por Hugo Gomes

Trumbo evoca um tipo de cinebiografia cujo foco não é a história da vida do visado, mas sim a reconstituição de um episódio particular que o famoso argumentista atravessou e “sobreviveu” numa América paranóica dos anos 50. Essa América, que se fechou a si mesma na sua própria ignorância, logo após a 2ª Guerra Mundial, entrou num dilema dicotómico; o gosto pelo conflito mas, ao mesmo tempo, o receio de integrar um novo. Nesses termos surge uma outra “fobia”, o medo de uma “invasão interna” por qualquer outra força, seja militar ou idealista.

O grande problema do novo filme de Jay Roach, um homem vindo diretamente das comédias comerciais de estúdio, é o de nunca aprofundar esse retrato da época, embora seja suficientemente cuidadoso para inseri-lo na sua intriga, a qual – ainda assim – tenta a todo o custo desafiar a esquematização miope que o subgénero tem sido alvo. Dentro dessa mesma reconstituição, deparamo-nos com a luta de um homem para reaver o seu orgulho e prestígio no seu trabalho, isto num país que prometeu batalhar para um avanço social e politico, mas que o trai e o cataloga num livro negro, deitando por terra as suas hipóteses de triunfo profissional e pessoal.

Esse homem é Dalton Trumbo, romancista e um dos guionistas mais cobiçados de Hollywood nos anos 30 e 40, aqui encarnado por um mímico, mas igualmente emancipador, Bryan Cranston (da série Breaking Bad), que transmite aqui uma figura aprisionada numa complexa teia conspirativa, um ambiente digno da “caça às bruxas” medieval. Neste vórtice que previsivelmente esboça a sua iminente queda para depois apresentar uma calorosa ascensão, o foco emocional encontra-se nas relações familiares e de amizade, afrontadas pela atribulada vida que Trumbo detém.

Contudo, tal ênfase nunca é verdadeiramente invocada, até porque Jay Roach não possui o tempo de antena nem a gimnica para aprofundar as personagens secundárias e os seus subenredos. Uma dessas fraquezas lamentáveis é a composição leviana que a sua cônjuge, Cleo Trumbo (Diane Lane), manifesta, visto que o argumento tenta reforçá-la como um pilar no equilíbrio familiar. Apenas o protagonista consegue realçar a sua figura amenizada, e verdadeiramente, construí-la como uma personagem afável, viciante e arrojada. Nesse aspeto, é bem provável que Cranston consiga aqui a sua nomeação para o tão desejado prémio da Academia, mas todos nós sabemos que um filme não pode somente viver das suas “cabeças de cartaz”.

Dito isto, Trumbo é uma cinebiografia que não ostenta extravagâncias no seu registo. Previsivelmente, todo o fio narrativo condutor encontra-se sustentado a uma prestação, mas indiciado por uma temática obscura que merece, acima de tudo, uma exploração mais exaustiva. Aliás, todos nós sabemos, mesmo aqueles que tem por hábito acrescentar o misticismo nas produções, que Hollywood sempre foi e sempre será “cruel”.

O melhor – A prestação de Bryan Cranston
O pior –  a falta de profundidade das personagens secundárias


Hugo Gomes

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