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«Room» (Quarto) por André Gonçalves

O nosso quarto é, para todos os efeitos, o nosso mundo quando somos pequenos. Para Jack, prestes a completar 5 anos, “quarto” é o único mundo que conhece.

Quarto não é um quarto qualquer – é um cubículo onde ele e a sua “Ma” estão fechados por um raptor, que aprisionou a mãe há 7 anos atrás. “Ma” preferiu contar a Jack que não existia mundo para além daquele onde estavam, e que as pessoas que aparecem na TV que possuem (porventura vindo de um “sunday treat” do bondoso homem que os tem fechados) não existem na realidade – pelo menos como eles existem, isto é. E que o senhor que chega ao final do dia compra a comida e o presente semanal pela TV.

Adaptado do próprio livro da irlandesa Emma Donoghue, Quarto não é também um filme qualquer, que possamos entrar e sair conforme nos apeteça. O seu olhar emocionalmente honesto permite-o, para quem se render incondicionalmente aos seus propostos básicos, a uma das histórias mais tocantes que alguém poderá assistir sobre o amor de uma mãe a um filho, como única âncora para se agarrar à vida.

Se não é propriamente “baseado em factos reais”, a história de rapto e manutenção de vítimas em regime de cativeiro ao longo de anos a fio é imediatamente familiar e estabelecemos logo um laço realista com aquelas personagens – um laço ainda mais difícil de desatar quando estamos perante duas performances esmagadoras (as de Brie Larson – que alegadamente se fechou em casa um mês sem internet para uma melhor preparação da personagem! – e da revelação Jacob Tremblay).

Nas mãos dementes ou simplesmente deprimentes de outro cineasta, teríamos aqui um filme sufocante de duas horas em modo peça de teatro. Mas apercebemo-nos logo na primeira bobine (via narração inicial) que as intenções do realizador Lenny Abrahamson (“Frank“) e de Donoghue são bem mais luminosas e amplas… e explica-se esta abordagem pela voz principal da narrativa ser a de Jack. Estamos praticamente perante um “conto de fadas” sobre memórias deturpadas de infância, mentiras piedosas, e sobre como um espaço pode de facto significar tudo, por muito tenebroso que seja, quando contém tudo o que conhecemos e gostámos. Se o espectador é adverso por princípio a este modelo A Vida é Bela, fica pelo menos avisado.

Mais uma vez o síndrome “trailer mostra tudo” ataca, e por isso o que vou descrever no próximo parágrafo não será propriamente “spoiler” para muitos. Porém, para uma experiência tão às cegas como a que testemunha a criança protagonista, avance para as estrelinhas e procure uma sala de cinema mais próxima quando o filme estrear. Feita esta nota, posso então revelar que temos aqui uma obra partida em duas metades (dois atos), e pela divisão ser tão óbvia, teremos obviamente quem defende uma das metades sobre a outra. Os mais cínicos dirão que é a primeira metade auto-contida que é a melhor, mas argumentaria que é a partir do momento que o tapete é rolado (“A” sequência de arrepiar a espinha aqui) que surge um olhar mais profundo a estas personagens e às implicações de um ato de bondade feito aos 17 anos, e onde as lágrimas teimarão em cair. Se podia ser ainda mais longo (em meia hora) e aprofundar ainda mais a situação? Poderia, mas arriscaria perder o estado de graça sobre a desgraça que atinge nestas duas horas. Dificilmente se encontrará obra mais catártica em 2016.

O melhor: O duo Brie Larson e Jacob Tremblay, que só aumentam o nivel de honestidade emocional, capaz de causar lágrimas e um ou outro arrepio na espinha. 
O pior: É tão bom que queríamos mais daquelas personagens. Resta-nos regressar ao filme, ou ler o livro.


André Gonçalves