Sábado, 20 Abril

«Journey to the Shore» (Rumo à Outra Margem) por Duarte Mata

 

Quem conheceu o Kiyoshi Kurosawa da fase de terror, ao deparar-se com alguns dos objetos que o cineasta tem vindo a lançar nos últimos anos pode ficar desapontado. Este Rumo à Outra Margem é reminiscente de outra sua contemporânea, Naomi Kawase, na busca de uma conciliação entre o amor e a morte. No entanto, enquanto a segunda procura justapor esses acontecimentos na própria Natureza, Kurosawa recusa-se a afastar do fator humano, sendo mais frio nos ambientes selecionados, aumentando assim a intensidade do conflito entre as personagens. Neste caso, seguimos Mizuki, uma jovem que ficou viúva prematuramente, e do reencontro com o fantasma do seu marido, o qual convida-a a conhecer uma “série de pessoas como ele” que encontrou nos três anos seguintes à sua morte. Mizuki torna-se então uma Amélie nipónica (mas muito mais melancólica) que, com o espectro do seu esposo, auxiliará diversas pessoas marcadas pela morte a superarem a sua perda.

O que impressiona em Kurosawa é a capacidade de transmitir a mágoa de diferentes personalidades na forma como encena, bem como o simbolismo que confere a objetos mundanos, interligando-se com o arrependimento de episódios doridos. A dor e o remorso são transformados em conceitos universais, principalmente quando a protagonista se apercebe que esta viagem de superação é também consigo própria. Absurdo reduzir este trabalho a uma telenovela sobrenatural. Trata-se, isso sim, de um melodrama contido, pouco esperançoso, mas profundo e alargado nas interpretações que pode originar e que, de uma maneira ou de outra, não deixa o espectador imparcial.

Que mais não seja Rumo à Outra Margem deverá ser recordado por ser o filme em que o clímax é, nada mais nada menos, que uma sucessão de beijos, inteligentemente contidos até ali graças ao distanciamento físico que o marido impunha à mulher. É por isso que, mesmo que seja demorado (por vezes, fatigante) é a prova de que Kurosawa tem algo a dizer. E o que diz é muito bonito.

O melhor: cada mensagem da obra.
O pior: por vezes excessivamente lento.


Duarte Mata

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