Quinta-feira, 28 Março

«Journal d’une femme de chambre» (Diário de Uma Criada de Quarto) por Duarte Mata

Recorde-se que não é a primeira vez que Diário de Uma Criada de Quarto tem direito à sua adaptação cinematográfica. Houve Renoir (1946), na sua fase americana, que fez de Celestine (a criada do título) uma Cinderela materialista, apaixonada por um príncipe byronesco. Depois seguiu-se Buñuel (1964) numa das suas maiores obras francesas, onde eram exploradas (numa permanente crítica mordaz à burguesia) as tensões sexuais criadas entre criados e amos, principal fruto um pequeno jogo psicológico manipulado pelo inteligente retrato protagonizado por Jeanne Moureau.

Dito isto, é ao fim de 115 anos que o romance de Octave Mirbeau tem direito a uma produção em que banda e maestro são de origem francófona. A ópera? Totalmente distinta das outras duas que, por si só, já eram suficientemente divergentes entre si, não só na escolha do conteúdo adaptado, mas também no que quer transmitir com ele. Esta de Benoît Jacquot é a mais fiel à estrutura e às intenções do escritor, isto é, a percepção da criadagem como ainda uma forma severa de escravatura. O cineasta francês mantém alguma da tensão sexual Buñueliana, mas não a encara como forma de manipulação, antes como um impulso que melhor define o carácter humano de cada um e, consoante a sua realização (ou não), resulta a verdadeira questão identitária sobre quem é “o patrão” ou “o servo” de si próprio (apostamos que Freud adoraria este filme), melhor explícitos nos apartes da protagonista a cada personagem que vai encontrando,

Ficam pontas soltas curiosas como o autor do infanticídio ou a importância do vigário no enredo e, para quem não suporta a ambiguidade, recomendamos vivamente a visualização da versão da década de 60, ainda a melhor já feita. A recém-estreada poderia ser superior se Jacquot não se mostrasse, por vezes, tão previsível na construção de algumas das cenas, naqueles tracking shots manuais que lhe são característicos ou ainda no uso agressivo do flashback. No entanto, mais curioso ainda é o díptico que forma com o seu anterior Adeus Minha Rainha, ambos filmes de época que exploram a repressão da sexualidade na hierarquia social, pelos olhos da personagem de Léa Seydoux.

O melhor: O retrato duro da vida de criadagem e o cuidado de produção de filme de época.
O pior: Alguns momentos pouco inspirados por parte do realizador


Duarte Mata

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