Quarta-feira, 17 Abril

«La Novia» por Fernando Vasquez

Num ano em que o cinema espanhol não conseguiu esconder o impacto da austeridade no setor audiovisual, era necessário lançar uma obra capaz de apelar aos mais íntimos valores da cultural nacional. É neste cenário que surge A Noiva de Paula Ortiz, uma adaptação da popular obra da mais influente figura da narrativa espanhola, Federico Garcia Lorca. Apesar de não ser a primeira vez que a peça é reproduzida no grande ecrã (Carlos Saura antecipou-se em 1981 em formato de musical) os resultados estão já à vista. Estreado em finais de setembro no Festival de San Sebastián, A Noiva é já o trabalho mais nomeado para os consagrados prémios Goya, antecipando-se uma carreira de enorme sucesso no país de Nuestros Hermanos. Infelizmente, o mesmo não se poderá dizer sobre o seu percurso a nível internacional.

À semelhança das Bodas de Sangre de Lorca, o filme revela-nos a história de uma noiva (Inma Cuesta) prestes a subir ao altar para unir laços com o já há muito anunciado noivo (Asier Etxeandia). Mas, ao longo de toda a sua vida, foi-lhe sempre impossível ignorar a grande paixão que nutria por Leonardo (Alex Garcia), um homem esbelto e enigmático, também ele aprisionado por um casamento indesejado. Durante a boda, a noiva foge com Leonardo, e o pobre noivo, a mando da sua manipulativa mãe, segue em perseguição em busca de vingança.

O mais recente trabalho de Paula Ortiz não se reduz a uma existência temporal, sendo impossível identificar o momento histórico da ação. Este aspeto não só funciona a favor do filme, mas torna-o fiel à peça, onde um dos temas centrais é a própria passagem do tempo. Paralelamente, esta qualidade extra permite concentrar todas as atenções na beleza rude e agreste do cenário do “deserto” ibérico (na realidade o filme foi rodado na Turquia). Neste aspeto, Ortiz notabiliza-se, explorando com perícia todas as texturas e vertentes de uma paisagem personificada na ação e atitudes dos protagonistas. Ao mesmo tempo, a jovem realizadora demonstra-se inteligente na forma como imprime atributos de bailado nas movimentações das personagens, como se o vento da planície jogasse também ele um papel na ação.

A lista de qualidades de A Noiva é no entanto deveras curta, já que apesar de muito alarido, o novo filme de Paula Ortiz é na realidade demasiadamente superficial.

Esteticamente o filme é uma orgia estilística sem rumo nem bom senso. Um filme que se exigia maduro e ambicioso, rapidamente se reduz a um spot publicitário, onde tudo é exageradamente previsível e reprimido aos mais básicos princípios da semiótica. O método até poderia funcionar, fosse ele recheado por uma energia contagiante e inspiradora capaz de suplementar um enredo já de si hiper-trágico. Mas, infelizmente, um dos maiores problemas é exatamente esse, a falta de vigor do estilo de um filme que confunde extravagância com paixão e fidelidade com submissão.

É difícil não compreender que Ortiz estava inevitavelmente, por natureza, limitada à ousadia possível numa adaptação de um clássico tão fulcral para a cultura espanhola, e como tal as suas decisões, até certo ponto, são compreensíveis. A importância de se manter fiel à peça e ao esteticismo das suas muitas reproduções, é também aceitável, mas nessa caso uma irremediável questão impõem-se como imperativa: porquê voltar a adaptar esta história?

A incapacidade de transcender demonstra-se, entre outros aspetos, na opção de casting para o papel de Leonardo. A escolha e presença do ator Alex Garcia pouco mais é do que um embuste. Existe para ser visto e embelezar planos, já que dramaticamente a sua bela figura é virtualmente nula: uma pedra preciosa sem voz nem estatura, ou pelo menos, orientação. Um dos resultados é que no tão importante climax do filme, o bailado da luta entre os dois pretendentes, um dos intervenientes existe num contexto de mero corpo presente, acrescentando muito pouco a uma cena suposta e necessariamente explosiva.

Dito isto, é inquestionável que o filme tem muito de apelativo, não só no universo espanhol, onde existe um inevitável investimento emocional. Todos aqueles há procura de uma tragédia clássica, e nada mais, encontrarão em A Noiva um trabalho cativante e capaz de satisfazer a vários níveis. Para todos os outros o melhor é mesmo evitar um dos mais badalados mas dececionantes filmes do momento.


Fernando Vasquez

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