Terça-feira, 23 Abril

«Carol» por José Raposo

Carol é a primeira longa-metragem de Todd Haynes que resulta de uma adaptação literária. Adaptando The Price of Salt, um romance de Patricia Highsmith centrado no amor lésbico entre duas mulheres com experiências de vida bastante diferentes, Haynes regressa a um meio social e a um tipo história que já lhe era familiar. Nova Iorque e a América dos anos 50, essa era onde o amor homossexual era escandaloso e por isso tabu, para não dizer mesmo interdito, volta assim a ser o grande pano de fundo de uma história de amores proibidos – não por acaso o romance de Highsmith foi na altura publicado sob o pseudónimo de Claire Mogan. É também motivo e pretexto para mais uma reconstrução histórica de grande detalhe, o tipo de filme que Haynes e a sua equipa de “set designers” desenvolvem com grande paixão; difícil não apreciar – ainda que por breves momentos – a natureza do trabalho “artesão” que este tipo de adaptação implica. Edward Lachman, o diretor de fotografia com o qual Haynes já havia colaborado em Longe do Paraíso (Far From Heaven) e na minissérie televisiva Mildred Pierce, volta a ser o principal responsável pelos ambientes ligeiramente noir e deslavados da cinematografia. Tudo “by the book“, portanto.

Dada a repetição – senão mesmo monotonia – no que diz respeito a temas (quer visuais, quer narrativos) fica-se com a sensação de estarmos perante um Haynes francamente desinspirado. Apesar de tudo, há um inegável prazer em ver Cate Blanchet e Rooney Mara a trazerem para o grande ecrã duas mulheres mal compreendidas pelo seu tempo. Carol (Cate Blanchet), mãe de uma filha e com o casamento em vias de chegar ao fim aparece na vida da jovem Therese (Rooney Mara) de forma inesperada, mas de forma arrebatadora. Na vida de Therese há um antes e depois de Carol, ainda que as consequências desse amor nem sempre sejam previsíveis, isto é, nem sempre resultem num percurso linear rumo à felicidade, assim sem mais. Mais jovem que Carol, Therese pertence a outra geração e tem outro estatuto social, e é nesses espaços e diferenças que o filme melhor respira. É justamente uma das qualidades mais assinaláveis do cinema de Haynes, a forma como os personagens se relacionam com o espaço, especialmente quando recolhidos no interior das suas casas. Há um momento em que Therese discute com o namorado lodo depois de se decidir em ir pela estrada fora com Carol, e são as escolhas de encenação como a de Haynes nessa situação que exemplificam a diferença entre um filme de um realizador mercenário, e o de um de cineasta com outro tipo de prioridades.

A escolha de Haynes em fazer a relação viver e florescer em trocas de olhares, suspiros e silêncios, pressupõe um distanciamento decisivo em relação a obras mais sensacionalistas (como o caso do sobrevalorizado A Vida de Adèle, para dar apenas um exemplo), embora isso não signifique que o filme não esteja preocupado em aprofundar as possibilidades da intimidade. Mas não há o sentido de justiça social de filmes como Longe do Paraíso, e isso transparece também com um posicionamento mais frio e superficial em relação à história do cinema. Nunca se corre o risco de cair no pitoresco, mas vindo de um cineasta com obras de um fulgor criativo singular, como o são Safe, Velvet Goldmine ou o mais recente I’m Not There, a impressão é a de desilusão.

O melhor: Cate Blanchet e Rooney Mara são fabulosas, duas interpretações absolutamente irrepreensíveis.
O Pior: Um Todd Haynes sem a inspiração de outros filmes.


José Raposo

 

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