Sexta-feira, 29 Março

«Mia Madre» (Minha Mãe) por Duarte Mata

Há uma cena no mais recente filme de Nanni Moretti que caracteriza na perfeição o ambiente: é aquela em que Margherita deambula por uma fila de espectadores para assistir às Asas do Desejo, enquanto vai reencontrando o mãe, o irmão e… ela própria, mais nova, assim como o namorado, tal qual acontecia vezes sem conta no Morangos Silvestres de Bergman. Na banda sonora, a voz áspera de Leonard Cohen desse álbum cujo título nunca tinha calhado tão bem, Songs of Love and Hate. Wenders e Cohen, numa cena vivamente Bergmaniana. Minha Mãe é isto, uma oscilação de universos (o cinema e a realidade), de estados (a dor na morte e o júbilo no amor familiar, melhor exposto no derradeiro plano) e de tempos (o passado e o presente).

Seguimos a realizadora Margherita e o seu irmão Giovanni (a cargo do próprio Moretti) enquanto lidam com a deterioração lenta do estado de saúde da mãe, uma professora de latim reformada, numa daquelas obras pessoalíssimas do seu criador, em que a experiência pela qual o cineasta passou dá algo de verdadeiro (que não é o mesmo que realista) ao espectador. E enquanto encena a sua dor, ao mesmo tempo, põe-se a nu. Já não são as consequências da morte que o assustam (como no seu O Quarto do Filho) nem as crises identitárias (como no anterior Habemus Papam – Temos Papa). É tudo isso conjugado na mesma personalidade de feitio difícil. Por isso, Minha Mãe é também uma síntese do seu cinema mais “sério” (embora o já muito falado papel de John Turturro venha aligeirar, necessariamente, o tom melodramático familiar).

É um filme doloroso, mas essencial no retrato humano que estabelece. A densidade psicológica de cada personagem é devidamente explorada em diálogos que, inevitavelmente, vão-se tornando isentos de esperança, acompanhados por uma encenação clássica e dorida. Já nem a religião serve de consolo no cinema Morettiano, resta apenas a desilusão, o que revela uma maturidade que é um grande passo em frente naquele que é um dos grandes cineastas italianos da atualidade.

O melhor: A carga pessoal identificável com o espectador que Moretti investe no filme.
O pior: Nada a apontar.


Duarte Mata

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