Quarta-feira, 24 Abril

«Cosmos» por Duarte Mata

Percebe-se o que encantou Zulawski para filmar em Sintra e na Covilhã este seu mais recente Cosmos. Ambos os locais são plenos da calma, isolamento e magnificência que melhor se opõe à fragilidade da natureza humana, o leitmotiv da obra. Mas, infelizmente, não se compreende a renegação do espaço pela maneira como filma e localiza a ação, fragilizando assim a interpretação da obra. Talvez seja essa a intenção do cineasta polaco, complicar a leitura ao ponto de julgarmos o filme fechado sobre si próprio (tal qual a casa de onde poucas vezes se sai), em enquadramentos que se recusam a afastar das personagens. O “universo” é assim trazido para dentro, muitas vezes por animais em objectos do quotidiano, ao invés de se guiar as personagens em direcção a ele, que era o que a história verdadeiramente pedia.

Recai-se, assim, numa clara alegoria que peca por um simbolismo excessivamente repetitivo e no comportamento histriónico de cada elemento, nomeadamente dos dois protagonistas estudantes que testemunham acontecimentos bizarros, ao mesmo tempo que debatem Stendhal (apesar do filme não ser, de maneira nenhuma, descendente do realismo francês) ou Pasolini (sem a frontalidade marxista ou satírica da religião, embora haja tentativas desta última). Uma alegoria que só uma minoria muito pequena terá tendência para apreciar e não achar cansativa.

No geral, trata-se de fruto de um cineasta que esteve demasiado tempo afastado (já não filmava há 15 anos) e que, ao regressar, julgou que nada tinha mudado, principalmente a maneira de pensar transcrita no romance da década de 60 em que foi baseada. Embora admiremos essa resistência, não será certamente ela a tornar Cosmos superior aos restantes esforços de cineastas arthouse que estrearam este ano.

O melhor: Verdade seja dita, Vitória Guerra a fazer o esforço por se afastar das personagens banais que as telenovelas vieram a conferir.
O pior: A desactualização do material. 


Duarte Mata

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