Quinta-feira, 28 Março

«Montanha» por Duarte Mata

O tempo dirá se João Salaviza se afastará da adolescência que tanto o encanta para partir em torno de voos mais altos do que a sua primeira – e muito aguardada – longa-metragem, Montanha. Todo o filme é uma construção essencialmente pictórica do que parece ser a raiva e a alienação de um “rebelde sem causa”, David, que, por não estar preparado nem para o amor, nem para a morte na sua vida, terá de escalar o mais duro dos obstáculos: ele próprio. Salaviza transmite essa prisão com os cenários pouco iluminados e onde predominam as formas verticais (a imponência da cidade, representada por janelas, árvores e arranha-céus) em contraste com as horizontais das personagens (por isso, tantas vezes se deitam os corpos, em posição fetal).

Mas os contrastes não são só paisagísticos. Contam-se pelos dedos das mãos o número de movimentos de câmara usados. Salaviza é um pouco como Manoel de Oliveira onde, por se fiar tanto no plano fixo, ao construir o mínimo movimento, este vê-se tornado em algo maior, em termos cinematográficos. Assim, uma panorâmica é também uma reviravolta no enredo, que tanto pode esconder um beijo como revelar uma traição; e o travelling é justamente o que demonstra a “fuga sem fim” em que corre o protagonista (sim, já se falou em James Dean e agora em River Phoenix, mas é ecoando as personagens desses dois atores que se parece dar forma à de David Mourato, talvez o Antoine Doinel português).

Não é preciso muito para ver que a “trilogia acidental” (assim chamada pelo próprio realizador e constituída por Arena, Cerro Negro e Rafa) do jovem cineasta português ganhou um novo capítulo, repetindo não só atores (Carloto Cotta, de Arena) como também personagens dos anteriores (Rafa, interpretado por Rodrigo Perdigão, do filme homónimo). Mas é também esse o principal problema de Montanha: a repetição, como se cada cena tivesse o propósito de piorar a tese derrotista já conhecida nas curtas-metragens, o que cria a impressão de que não há conteúdo suficiente para uma longa-metragem, mas sim para uma curta – e bastante boa – que insiste em se arrastar na penumbra com que começa e termina. Porque não, Montanha não caminha em direcção à luz. Antes constrói a sua casa no meio das trevas.

 

 


Duarte Mata

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