Quinta-feira, 28 Março

«Suffragette» (As Sufragistas) por Virgílio Jesus

 

O movimento revolucionário feminista começou na América, mas em As Sufragistas o espaço fílmico é a Europa, mais precisamente a Inglaterra (Londres), durante a segunda década do século XX. Nesse contexto, que visa o progresso e um olhar sempre adiante, conhecemos um grupo de mulheres dedicadas à sua vida quotidiana – pessoal e profissional. De dia e de noite parecem escravas dos seus patrões e dos seus maridos. Só quando educam os seus filhos percebemos realmente aquilo que são. A partir daí, conhecemos Maud Watts (Carey Mulligan) uma jovem de 24 anos que toda a sua vida tem sido dedicada a esses supostos deveres/ obrigações.

Parece que desde o momento em que respira tem um destino ditado por homens. Não tem qualquer livre-arbítrio. Não pode ter isto, não convém fazer aquilo. Maud é a espelho da discordância em relação a uma sociedade machista, que se alimenta de orgulho. Mas palavras, como as próprias sufragistas notam, não valerão de nada. Só com atos, e muitos sacrifícios, é que poderão alcançar o direito ao voto. Durante várias situações mais arriscadas, o enredo bastante histórico envolve permanentemente o espectador. Este é um dos sérios exemplos fílmicos, que em breve deverá figurar nessa linha temporal, sobre a História da civilização.

A vida privada de Maud quebra-se ao mesmo tempo que a sua voz política ascende. A expressão de Carey Mulligan prova uma vez mais o seu talento, numa performance que deixa a personalidade igualitária da audiência ainda mais vincada. O reflexo de dor que a sua personagem vive, como a greve de fome e consequente a alimentação forçada torna a campanha feminina bastante justa. Mas, como é sabido, para chamar à atenção alguém precisará de se tornar mártir.

Para além de Mulligan também Meryl Streep como Emmeline Pankhurst sobressai. A pioneira do movimento no Reino Unido é bem representada, mesmo em pouco tempo, por uma das melhores atrizes de cinema. É uma atriz a dar o exemplo a outras tantas, que se começam a destacar na sétima arte. A aparição de Streep faz lembrar a participação de Judi Dench como Rainha Isabel I em A Paixão de Shakespeare, só pelo facto de uma pequena atuação não significar o seu total esquecimento. A máxima presença feminina no elenco ou na equipa técnica garante ainda mais esse peso histórico que carrega. Pela importância citadina do enredo, este foi o primeiro filme cuja rodagem de algumas cenas decorreu no interior do Parlamento Britânico. Atente ainda para o medo sentido por essas militantes, que também nos consume – com os angustiantes batimentos cardíacos proporcionados pela partitura musical de Alexandre Desplat.

De lembrar que Portugal só conseguiu o sufrágio universal nas primeiras eleições pós 25 de abril. E é pena que muitas mulheres (e homens) se abstenham. Essa luta interminável justifica a aparição das datas em que o sufrágio é concebido às mulheres.

As Sufragistas é um dos filmes mais poderosos do ano. Num momento em que a própria industria cinematográfica se confronta com os testemunhos de atrizes que afirmam receber muito menos que os seus coprotagonistas masculinos, surge este poderoso trabalho sobre uma necessária voz ativa.

O melhor: Carey Mulligan a caminho do Óscar.
O pior: Dificuldade sentida por muitos em compreender o enredo pelo rigor histórico.


Virgílio Jesus

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