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«Portugal – um Dia de cada Vez» por João Miranda

O fenómeno da desertificação rural não é novo, tendo-se sentido durante todo o século passado. Mas a crise mundial de 2008 e as medidas de austeridade impostas pela mentira neoliberal agravaram-no e, com ele, a pobreza e o abandono sentidos. Fugindo dos clichés habituais da romantização da vida do campo e da pobreza, João Canijo e Anabela Moreira tentam documentar a vida diária do interior de Portugal, neste caso Trás-os-Montes, e das pessoas que aí habitam.

O resultado é uma série de episódios em que o ritmo lento e inseguro da velhice se sobrepõe às poucas presenças mais jovens. O desespero da situação financeira de muitos é oposto pela fé da religião e pelo fatalismo da cultura. Alguns dos participantes abordam directamente a questão política, mas a maioria parece não o querer fazer. Os episódios acumulam-se sem que consigamos perceber bem o que quer ser dito. Dentro da estrutura episódica e política, As Mil e uma Noites de Miguel Gomes parecem fazer um melhor trabalho em documentar e criticar as medidas de austeridade e o programa do governo: há nesta pseudo-etnografia (é muito incompleta para ser levada a sério) escolhida pelos realizadores uma passividade e incapacidade de fornecer os contextos sócio-económicos do que estamos a ver. Em comparação com a mesma série de filmes, este também perde pela falta de sentido de humor.

O tema, com a seriedade que parece querer ser dada, seria melhor servido numa série, já que um filme deste tipo acaba por ser enorme, apesar de incompleto, e se tornar cansativo. A coincidência de sair no mesmo ano que As Mil e uma Noites, apesar de o mostrar oportuno, acaba por refletir-se também negativamente. Talvez uma maior ambição, um desdobrar em episódios e uma maior coerência nos temas explorados, bem como um novo corte, resulte numa obra melhor conseguida.

O Melhor: A vontade.
O Pior: A posição assumida; a falta de humor; o formato escolhido.


João Miranda